Marco das garantias

Marco Legal das Garantias de Empréstimos deve ser pauta no Senado

A polêmica acerca do projeto é a possibilidade de que as famílias tenham seu único imóvel penhorado em caso de inadimplência em empréstimos

Aprovado pela Câmara dos Deputados, o projeto que institui o Marco Legal das Garantias de Empréstimos (PL 4188/21) deve entrar em breve na pauta do Senado com a volta do recesso parlamentar. A proposta formula normas que regulamentam empréstimos em instituições financeiras e os bens dados como garantia em caso da não quitação da dívida. O objetivo, de acordo com o texto, é baratear o custo do crédito no Brasil, com a diminuição do risco dos credores.

Atualmente, a recuperação do crédito, procedimento que visa reparar inadimplências, é uma tarefa incerta e demorada. No Brasil, recupera-se apenas 14,6% do valor das garantias. O principal ponto do marco é a criação de instituições gestoras de garantias (IGGs), que vão poder fazer a gestão especializada dos bens dados como garantia de empréstimos.

As IGGs serão responsáveis por registrar em cartório; avaliar as garantias reais e pessoais; e executar a dívida em caso de inadimplência do tomador do crédito, ou seja, o cidadão ou empresa. Essas instituições deverão ser regulamentadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), enquanto o Banco Central deve supervisionar e autorizar o funcionamento delas. 

Segundo o economista César Bergo, sócio diretor da OpenInvest, já existem algumas empresas que operam esta função ligada aos bancos. Com o marco, as instituições passam a ser uma uma opção a mais, mas os bancos também continuarão podendo gerenciar garantias.“Isso aperfeiçoa a legislação com relação a criação dessas empresas, o que deve facilitar muito do ponto de vista prático, melhorando a fluidez em relação de empréstimos e financiamentos”, afirmou.

Como os bancos vão ficar livres para atuar apenas na concessão dos empréstimos e financiamentos, a expectativa é de que isso diminua os custos que essas empresas têm com a gestão das garantias. As IGGs terão o papel apenas de gerenciar, estando impedidas de oferecer crédito, isto é, empréstimo ou financiamento.

Segundo o economista, isso também deve acelerar o processo de concessão do crédito.“Essas IGGs devem analisar o risco da operação, estabelecer os limites de crédito de cada uma. Isso acaba terceirizando os trabalhos que hoje já são feitos nos bancos, mas vai permitir a criação de várias empresas que não sejam instituições financeiras. Isso facilita a abertura de unidades que possam fazer esse tipo de avaliação e dar maior agilidade”, disse.

Imóvel penhorado

A polêmica acerca do projeto é a possibilidade de que as famílias tenham seu único imóvel penhorado em caso de inadimplência em empréstimos. Hoje, a Lei da Impenhorabilidade do bem de família (Lei 8.009/1990) diz que o imóvel próprio do casal ou da entidade familiar é impenhorável, desde que quitado. Existem algumas exceções, como se a dívida for para pagar pensão alimentícia, se for dado como garantia em hipoteca (instrumento pouco utilizado no Brasil), para quitar a inadimplência de impostos referentes ao próprio imóvel ou se o bem foi adquirido com produto de crime.

De acordo com o marco, este imóvel único poderá ser dado como garantia a um empréstimo, o que diminuiria a taxa de juros cobrada, mas se o cliente não pagar o financiamento, o bem poderá ir a leilão para quitar a dívida. O mesmo valerá caso o empréstimo for em nome de um terceiro, desde que o imóvel tenha entrado como garantia para obtenção desse dinheiro.

O professor de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Daniel Dias, alertou que além de perder a casa, o maior acesso ao crédito com apenas uma garantia pode ter impacto em um endividamento maior das famílias. “Entende-se que além do risco de perder o próprio imóvel você também teria a possibilidade maior das pessoas se endividarem. Com um mesmo imóvel podendo servir de garantia para mais de uma dívida, existe a possibilidade desse consumidor acabar solicitando mais crédito e chegar em uma situação de superendividamento”, afirmou.

O PL diz que, à medida que as parcelas do empréstimo ou financiamento forem pagas, abre-se espaço para novas operações de crédito até o limite estabelecido no contrato de gestão, sem burocracia adicional. Sendo assim, um mesmo imóvel poderá ser utilizado como garantia em diferentes operações de financiamento, o que não é possível hoje.

Atualmente, o imóvel dado como garantia de um financiamento não pode servir de penhor para uma segunda contratação de crédito. “Nesse sentido é preciso também um papel de conscientização e educação financeira. Colocar o único imóvel da família como garantia é arriscado. Não deve ser feito como uma medida de desespero, mas sim em casos de empréstimos que a família sabe que tem condições de pagar”, avaliou o advogado.

O marco também estende para os bens móveis, como os veículos, a possibilidade de cobrança extrajudicial do bem em caso de inadimplência pelo devedor. Hoje, quando um veículo é dado como garantia por alienação fiduciária e o tomador de crédito deixa de pagar o empréstimo, os bancos precisam ir à Justiça para apreender o bem.

Com a inclusão da emenda ao PL, os credores terão a opção de executar a garantia sem ir à Justiça, o que já é possível para bens imóveis, como apartamentos e casas. No entanto, os especialistas temem o alto potencial de judicialização da nova lei, principalmente quando se trata da penhora do imóvel único da família, o que diminuiria as deduções da medida.


Juros mais baixos

Segundo o economista da consultoria GO Associados Lucas Godoi, a taxa de juros praticada sem garantia é quase 80 pontos percentuais maior que a praticada com garantias. Para ele, o projeto de lei é uma medida inteligente, pois não tenta atacar os problemas da taxa de juros alta na canetada, mas sim avaliando os problemas que levam os juros a serem tão altos. “Claro que é preciso considerar que as mudanças não fazem milagre e que há hoje um aumento na taxa básica de juros, que pode diminuir o efeito do marco a olho nu. Mas no geral sim, a tendência é de barateamento do crédito”, disse.

 

Principais pontos do PL 4188/21


1 - Cria instituições gestoras de garantia (IGG)


Empresas especializadas em gerenciar os ativos dados como garantias de empréstimos pessoais ou empresariais.


Como é hoje:


A pessoa ou dono da empresa vai ao banco e o banco avalia a garantia e oferece (ou não) o empréstimo


Como poderá ser:


A pessoa ou empresa tem seu bem avaliado pela IGG, que vai dizer quanto ele poderá empenhar como garantia de empréstimo. As condições, prazos e juros poderão ser negociados com vários bancos diferentes


O que o governo defende:


As IGGS geram concorrência entre os bancos, facilidade na avaliação da garantia e podem reduzir as taxas de juros. Além disso, poderão facilitar a atuação de Fintechs no mercado de crédito


Os bancos continuam autorizados a gerenciar garantias, as IGGS são uma opção dada ao mercado


2 - Empréstimos garantidos por imóveis


O mesmo imóvel poderá ser dado como garantia em mais de um empréstimo no mesmo banco


A redução do saldo devedor autoriza novas operações com a mesma garantia


Imóvel de família poderá ser penhorado se for dado como garantia de empréstimo


Facilita a hipoteca


3 - Fim de monopólio de brancos públicos


Joias, prataria, canetas, relógios, e outros bens de valor poderão ser penhorados em outros bancos e não apenas na Caixa Econômica Federal


Estados e municípios poderão movimentar recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) para pagamento de professores em qualquer banco e não apenas na Caixa Econômica Federal ou no Banco do Brasil

 

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