A equipe econômica está debruçada sobre os números para fechar o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2023 até o fim do mês. Tudo indica que só com muita contabilidade criativa o governo conseguirá apresentar uma peça orçamentária com superavit primário (economia para o pagamento da dívida pública) no ano que vem.
A expectativa de técnicos do governo é de que a peça orçamentária deverá ser enviada ao Congresso, no dia 31 deste mês, com uma previsão de deficit primário em torno de R$ 65 bilhões, próximo da meta fiscal determinada pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que permite um rombo de até R$ 65,9 bilhões. Mas a tendência é que o deficit seja bem maior, pois os parâmetros da LDO, usada como base para a elaboração do Orçamento, estão defasados.
Um exemplo é a previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), de 2,5%, pouco mais de seis vezes maior do que a mediana das estimativas do mercado no boletim Focus, do Banco Central, de 0,39%. Além disso, há várias "bombas fiscais" armadas para o próximo ano, que vão explodir os gastos e aumentar o rombo das contas do governo.
Não à toa, analistas são unânimes em afirmar que a conta não fecha, porque o país vai crescer menos e não haverá as mesmas surpresas de receita neste ano — com inflação e dividendos de estatais turbinando a arrecadação. Segundo eles, o resultado primário — que não considera as despesas com juros da dívida pública — será pior do que o deste ano, principalmente se forem incluídas nas despesas as promessas do presidente Jair Bolsonaro (PL), como o Auxílio Brasil no novo valor de R$ 600, a manutenção das desonerações sobre os combustíveis e os reajustes dos servidores. O auxílio de R$ 600 também está nas promessas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera as pesquisas.
Alguns técnicos do governo mais realistas reconhecem que os números não fecham e indicam um rombo de R$ 65 bilhões no ano que vem, sem considerar o auxílio de R$ 600. Esse resultado negativo quase compromete integralmente a meta fiscal prevista na LDO do próximo ano, que permite um rombo de até R$ 65,9 bilhões nas contas do governo central (Tesouro Nacional, Previdência e Banco Central), o equivalente a 0,63% do PIB.
As estimativas de analistas indicam que essa meta deverá ser descumprida no ano que vem, a não ser que seja alterada durante a tramitação da LOA no Congresso para a inclusão das despesas adicionais prometidas por Bolsonaro.
Medida protocolar
O movimento da equipe econômica para entregar o Ploa até o fim deste mês é visto por Luis Otávio de Souza Leal, economista-chefe do Banco Alfa, como protocolar. Para ele, a verdadeira peça orçamentária só será conhecida depois das eleições. "O projeto será entregue apenas para cumprir a burocracia do trâmite do Orçamento. O que vai valer mesmo é o que vai ser aprovado no fim do ano", afirmou. Para ele, o governo precisará aumentar impostos e mudar a regra do teto de gastos para conseguir fechar a conta, independentemente de quem for eleito. "O Orçamento do presidente será diferente da peça orçamentária do candidato. Vamos ver a verdade a partir de novembro pelo Congresso. Até lá, é tudo discurso", completou.
Pelos cálculos de Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, a tendência é de piora nas contas públicas no ano que vem. Ele prevê deficit primário de 1% do PIB, considerando a manutenção do auxílio de R$ 600 e das desonerações no próximo ano. "Eles estão, obviamente, com uma projeção de controle de despesa, mas com um crescimento do PIB mais otimista do que o mercado. O que vai acontecer é que essa negociação de despesa vai mudar entre novembro e dezembro", destacou.
O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, prevê deficit primário acima de R$ 100 bilhões no ano que vem. "Neste ano, o governo trabalha ainda com uma arrecadação forte, mas o resultado fiscal ainda está nebuloso, porque o terceiro trimestre ainda tende a ser fraco e pode frustrar a arrecadação. No ano que vem, o risco de um deficit bem mais elevado é grande. Há gastos postergados e criados neste ano, como o Auxílio Brasil, que vão pressionar muito. E a arrecadação vai crescer menos por causa do PIB e dos preços das commodities em baixa", ressaltou.
A especialista em contas públicas Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), também reconhece que as despesas adicionais que podem entrar no ano que vem devem comprometer qualquer previsão de um resultado primário nas contas do governo levemente positivo, de 0,06% do PIB. "No cenário básico da IFI, é provável um superavit primário pequeno, se não houver nenhum projeto de lei aumentando gastos, como o auxílio de R$ 600", explicou. Ela lamentou o constante descumprimento das regras fiscais, mas reconheceu que é preciso um debate em busca de um novo arcabouço fiscal no próximo governo. "O país pode escolher um tipo de regra fiscal que se adapte à sua realidade, mas é importante sinalizar um compromisso político e institucional de cumprimento das regras e que haverá equilíbrio fiscal no médio prazo", frisou.
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Bombas fiscais de, pelo menos, R$ 200 bilhões
A lista das principais bombas fiscais armadas para explodirem em 2023 chega perto de R$ 200 bilhões, pelos cálculos da Tendências Consultoria. Mas algumas projeções apontam uma herança ainda maior, podendo mais do que dobrar essa fatura.
Nas contas da Consultoria Tendências, está previsto um gasto adicional de R$ 52 bilhões para a ampliação do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, mas técnicos do Ministério da Economia já fizeram estimativas maiores, em torno de R$ 60 bilhões. A consultoria incluiu na listagem gastos do governo com reajuste de salários, desonerações e recomposição das perdas dos estados com o teto do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Com isso, a soma chega a R$ 198,9 bilhões.
Mas tudo indica que essa fatura deve aumentar, por conta de grande volume de medidas eleitoreiras promovidas ao longo deste ano e que culminaram na PEC Kamikaze, que criou um pacote de R$ 41,2 bilhões de benefícios, como o aumento do auxílio de R$ 400 para R$ 600. Na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) não há previsão de continuidade desse benefício em 2023, assim como para as desonerações e para um reajuste salarial de 18%, como o autorizado pelo Poder Judiciário.
"Haverá muitas pressões por reajustes e aumento de gastos criados neste ano, que serão difíceis de tirar em 2023. O governo está tentando antecipar o recebimento de dividendos das estatais para melhorar o resultado primário deste ano, que pode até fechar com superavit. Mas isso vai ajudar a piorar as contas no ano que vem", alertou a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências. "Essa antecipação de dividendos vai reduzir os valores no ano que vem, mas há outras complicações, como o reajuste do funcionalismo, que vai ser uma panela de pressão", acrescentou. Ela lembrou que os R$ 11,7 bilhões indicados pelo governo na LDO como reserva para reajustes em 2023 não serão suficientes para uma correção dos salários pela inflação, que, pelos cálculos da Tendências, somaria R$ 13,5 bilhões.
Vale lembrar que, pelas estimativas da Instituição Fiscal Independente (AFI), o reajuste de 18% do Judiciário deverá ter um impacto de R$ 1,8 bilhão em 2023, R$ 5,5 bilhões em 2024, e de R$ 6,3 bilhões a partir de 2025.
Elefante na gaiola
De acordo com o especialista em contas públicas Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, ao tentar fechar as contas do projeto de lei orçamentária, os técnicos do governo "estão tentando colocar um elefante em uma gaiola". "O cenário para os próximos meses é de grandes turbulências, com possibilidades de radicalização e questionamentos do resultado das eleições, como ocorreu nos Estados Unidos", afirmou. Ele lembrou que o atual arcabouço fiscal foi inviabilizando com a pandemia e com as medidas populistas do governo.
"Não há mais âncoras fiscais, depois de o teto ser rompido seis vezes. Agora, o navio está à deriva. Essa é a realidade", lamentou Castello Branco. Para ele, quem vencer as eleições vai pegar uma bomba atômica, uma vez que o Congresso já está com o teto no bolso, porque a conta adicional pode chegar a R$ 430 bilhões, em 2023, o equivalente a 4,2% do PIB, lembrou, citando um levantamento recente do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). "Estamos falando de uma herança enorme. Será difícil eliminar esse nível de gastos no que diz respeito aos benefícios criados recentemente, como o auxílio de R$ 600, o auxílio-gás, os auxílios aos caminhoneiros, dependendo da situação", acrescentou.
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