O cenário de recessão global está cada vez mais provável, na avaliação de analistas, especialmente depois de a China registrar desempenho econômico abaixo do esperado no Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre deste ano. Havia um consenso de que a atividade do país asiático apresentaria um desempenho mais fraco, devido aos bloqueios de várias cidades por conta de novos surtos de covid-19. Contudo, a alta anualizada de apenas 0,4% no trimestre encerrado em junho — divulgada, ontem, pelas autoridades chinesas —, ficou bem abaixo da elevação de 1% esperada pelo mercado e foi o pior resultado da série histórica, iniciada em 1992, desconsiderando o tombo de 6,9% no primeiro trimestre de 2020, auge da pandemia.
O PIB chinês ainda mostrou forte desaceleração em relação ao desempenho do trimestre anterior, quando cresceu 4,8%. Conforme dados das agências de notícias dos Estados Unidos, os principais bancos de investimento cortaram repetidamente suas previsões para o PIB da China deste ano, e a avaliação é de que a economia chinesa está "no fundo do poço". A mediana das estimativas estava em 3,4% no fim de junho e a previsão oficial do governo chinês para este ano, anunciada em março, estava em 5,5%. Outro indicador preocupante da semana foi o da inflação dos Estados Unidos, que disparou para 9,1% nos 12 meses encerrados em junho — o maior patamar desde novembro de 1981. O resultado fez os analistas aumentarem as apostas de um aperto monetário mais forte nos EUA, o que deverá frear o crescimento da maior economia do mundo e contribuir para um quadro de recessão global, pois a União Europeia, por conta da guerra na Ucrânia, também enfrenta dificuldades para crescer.
Dependência
"A China crescendo pouco significa menos demanda global, mas tem um fator particular para o Brasil. O país é o que mais depende da China e, com a economia chinesa desacelerando, isso significa que vamos ter piora no balanço de pagamentos. E não vamos ter um grande alívio da inflação porque, com a piora fiscal que está bagunçando o câmbio, vamos continuar em situação desfavorável, mesmo com queda nos preços de commodities", alertou o economista Simão Davi Silber, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Para ele, o Brasil deverá ter uma recessão maior do que outros países porque, apesar de o Banco Central brasileiro ter se adiantado no aperto monetário, será preciso continuar aumentando os juros e manter a taxa básica da economia (Selic) elevada por mais tempo. "O efeito colateral dessa conjuntura é que 2023 está perdido para a economia brasileira. Neste ano, por conta da recuperação do setor de serviços, devido ao arrefecimento da pandemia, o país pode crescer entre 1,7% e 1,8%", frisa Silber.
Esse cenário cada vez mais incerto na economia e na política — agravado com a piora no quadro fiscal, especialmente após a promulgação da Pec Kamikaze, que cria mais insegurança jurídica e desconfiança dos investidores na manutenção das regras fiscais — só aumenta os prêmios de risco da dívida pública. Ontem, por exemplo, conforme levantamento da Necton Investimentos, a taxa de juros reais (descontada a inflação) paga pelos títulos públicos retomou o patamar de abril de 2015, época da votação do impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT). Os títulos do governo com um ano de prazo pagam 7,62% ao ano, "ligeiramente acima do observado em abril de 2015", quando ocorreram as votações no Congresso.
Vento contrário
De acordo com o economista Alberto Ramos, diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, uma recessão global será "mais um vento de proa contra a economia do Brasil" e, portanto, um cenário de contração da atividade não está descartado. Ele lembra que o país tem vários problemas que jogam contra o crescimento: inflação de dois dígitos, incerteza política pela frente e política monetária contracionista. Ramos ainda destaca que, apesar de os preços das commodities estarem em queda devido à perspectiva de retração na economia global, no ano que vem, a arrecadação do governo não será tão favorável para aumento de gastos, como ocorreu neste ano, contribuindo para um quadro ainda pior. "Vamos caminhar para um PIB medíocre, perto de zero, com probabilidade de queda, e com uma dívida que claramente tende a ser crescente", reforça.
O ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria, Maílson da Nóbrega, concorda que um cenário externo com forte desaceleração da China aumenta as chances de uma recessão no Brasil no ano que vem. Segundo ele, também jogam contra o país os impactos negativos da PEC Kamikaze a partir de 2023. Aprovada no atropelo das regras constitucionais, regimentais e fiscais para criar um pacote de benefícios de R$ 41,2 bilhões fora do teto de gastos, ela é mais uma das bombas fiscais armadas para o próximo governo, desde a PEC dos Precatórios — que deu um calote em boa parte das dívidas judiciais do governo.
A Tendências está revisando as projeções para o PIB de 2023, atualmente em 1%. "O viés é para baixo, porque o país não consegue crescer acima do potencial, que está em torno de 1%. E tem vários ventos contra a economia no próximo ano. Entre eles, com destaque, os efeitos defasados da política monetária, que deverão começar a partir do terceiro trimestre deste ano", complementa Nóbrega.