Sorte ou esperteza política?

Falando de sorte (para os que irão se beneficiar da medida), deve-se aprovar em breve, na Câmara Federal, a PEC dos Auxílios, que abre uma brecha para o governo furar o teto de gastos, ou gastar acima do limite estabelecido previamente, e ampliar e/ou turbinar programas sociais a pouco mais de três meses das eleições, algo que, normalmente, seria impossível, mas que, agora, é possibilitado pela decretação de algo excepcional como um "estado de emergência" pelas autoridades estabelecidas.

Cheiro de esperteza? O problema, realmente, é que, para alguns, poderá ficar parecendo que o governo estará apenas se aproveitando desse momento crítico que já vem vivendo, e de que ele já vinha se beneficiando conforme pesquisas mais recentes, para fazer uma movimentação capaz de arrebanhar muito mais votos, via os novos auxílios, com vistas à reeleição presidencial.

Quais os auxílios ou benefícios adicionais que a PEC prevê e como avaliar o impacto sobre as contas públicas atuais? Grosso modo, trata-se da ampliação de R$ 400 para R$ 600 do Auxílio Brasil, com cadastro ampliado, ao custo adicional estimado em R$ 26 bilhões; reajuste do vale-gás para R$ 120, com custo extra de R$ 1,1 bilhão; lançamento do auxílio-caminhoneiro de R$ 1 mil, com custo de R$ 5,4 bilhões; subsídio para o transporte gratuito de pessoas com mais de 65 anos, com impacto de R$ 2,5 bilhões; subsídio para a produção de etanol, ao custo de R$ 3,8 bilhões; auxílio taxista, ao custo de R$ 2 bilhões; repasse de R$ 500 milhões por mês para outra novidade, que é o programa Alimenta Brasil, no âmbito federal. Custo total aproximado do pacote: algo ao redor de R$ 41 bilhões.

A verdade é que, quando se tem um ataque ao sistema de preços, como está ocorrendo hoje no caso do petróleo, países como o Brasil não podem simplesmente cruzar os braços à mudança, cabendo avaliar se faz sentido compensar os segmentos mais frágeis de uma sociedade desprovida de recursos como a nossa, porque, muitas vezes, as mudanças são muito pesadas para as pessoas de renda mais baixa suportarem. Então, em uma situação emergencial, como a atual, pode fazer sentido dar um apoio financeiro para os segmentos mais frágeis poderem enfrentar uma situação de preços tão difícil como essa que está aí. A dona de casa pobre não vai conseguir comprar o gás na quantidade suficiente para alimentar a mesma família se não receber uma ajuda para tanto. É preciso dar o devido apoio, até descobrirmos se é algo temporário o que está acontecendo, ou não. A explosão da guerra Ucrânia-Rússia, que é a causa principal, pode ser algo mais demorado do que se pensava. Sendo assim, pode fazer sentido decretar a emergência, independentemente da mudança eleitoral.

Reações como a de políticos que são também economistas ortodoxos podem estar exagerando a natureza do problema, quando alertam para um alto risco de perda da credibilidade fiscal do país associado à aprovação da PEC dos Auxílios, pelo seu impacto altista sobre a dívida pública. O ponto que já se fez nos meios acadêmicos internacionais, mas talvez não suficientemente, é que temos usado erradamente como indicador da solvência de um país a relação entre a dívida pública e o PIB. O erro está em comparar um estoque, a dívida, com um fluxo, a renda (isto é, o PIB), pois, ao se fazer isso, a apuração magnifica o valor que é medido.

Expectativas obviamente contam, e resultados ruins certamente ocorrerão se muitos acharem que eles virão, mas não necessariamente. Dessa forma, ainda que haja um alto risco de uma motivação eleitoreira exagerada estar prevalecendo, pode ser preferível errar pelo lado de gastar mais para ajudar as pessoas menos favorecidas e socorrê-las nessa situação de disparada de preços tão importantes, como dos derivados do petróleo, do que ignorá-las e assistir, a distância, às consequências ruins da falta de socorro.

Penso que os R$ 41 bilhões serão perfeitamente absorvíveis pela economia brasileira, lembrando que o que se quer é socorrer os menos favorecidos como tantos há, e sabendo que o desastre em curso ainda vai demorar, além de partir de que todo mundo é sério e está preocupado com a qualidade do gasto, ou seja, se é para socorrer os que precisam ser socorridos, podemos gastar esse dinheiro e o país não terá inflação mais alta, nem maior desemprego...

De onde vai vir o dinheiro? Segundo as reportagens, por meio de crédito extraordinário. O que seria isso? Do lucro da Petrobras? Nada disso, virá de uma simples emissão de moeda, que pode eventualmente se transformar em dívida pública adicional. O Banco Central emite a moeda respectiva e a entrega ao Tesouro Nacional recebendo, em troca, e em última instância, uma dívida adicional a ser emitida naquele momento. Só não faria sentido se houvesse um posicionamento totalmente desfavorável dos agentes em relação à qualidade desse gasto ou à forma de medir as variáveis envolvidas. Basta lembrar de uma situação de guerra, quando se gasta um absurdo, e depois não ocorre a inflação explosiva que se temia, pela percepção geral de se tratar de uma situação emergencial a exigir uma emissão expressiva de moeda para bancar.