Quando 2022 começou, as previsões dos analistas de mercado para a atividade econômica do país eram bem preocupantes, porque apontavam riscos crescentes de uma recessão em pleno ano eleitoral, devido ao forte aperto monetário do Banco Central em curso desde março de 2021 — quando a taxa básica da economia (Selic) estava em 2% ao ano — e que teria impacto na segunda metade do ano. Algumas estimativas apontavam queda do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, mas nos últimos meses, surpresas pelo caminho fizeram com que as projeções melhorassem. Em contrapartida, para 2023, as estimativas estão piorando em meio ao cenário conturbado tanto no mercado interno quanto no externo — que também é recessivo.
As perspectivas de baixo crescimento ou mesmo de recessão — que era previsto para este ano — foram transferidas para o começo do próximo ano. E, portanto, quem vencer nas urnas em outubro receberá uma economia cambaleante e com uma conjuntura de farra fiscal sem precedentes em curso que estão fazendo o dólar subir — devido às desconfianças dos investidores — e, consequentemente, pressionar a inflação deste ano e do próximo.
No início do ano, o governo anunciou medidas para estimular o consumo, como a antecipação do 13º dos aposentados e o saque emergencial do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Essas ações, junto com a retomada gradual do setor de serviços, contribuíram para a surpresa positiva do resultado positivo de 1% no PIB do primeiro trimestre e ajudaram na melhora das projeções deste ano.
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Historicamente, todo governo gasta bem em ano eleitoral para garantir a reeleição — instrumento que vem jogando contra o crescimento do país desde a sua aprovação, em 1997. O presidente Jair Bolsonaro (PL), que foi eleito prometendo acabar com esse mecanismo, está fazendo de tudo para continuar no poder, pois está atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas pesquisas.
Agora, às vésperas do início da campanha eleitoral, o governo e o Congresso pretendem escancarar os cofres públicos com o pacotão de benefícios da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº1/2022 — a PEC Eleitoral ou Kamikaze. A matéria tramita no Congresso e, de acordo com cientistas políticos, pode não garantir essa vitória almejada de Bolsonaro e até ser um tiro no pé.
O conjunto de benefícios previsto na PEC Eleitoral, que devem custar, neste ano, R$ 41,2 bilhões para os cofres públicos em despesas fora do teto de gastos. Isso deve ajudar a melhorar as perspectivas do terceiro trimestre de 2022, mas especialistas reconhecem que as maldades, como consequência da irresponsabilidade fiscal, já estão programadas para 2023. Haverá desaceleração a partir do quarto trimestre deste ano, e, no próximo, o PIB vai crescer muito pouco, perto de zero, na melhor das hipóteses.
Especialistas não têm dúvidas de que, a despeito do discurso do ministro da Economia, Paulo Guedes, que vinha falando que a consolidação fiscal estava em curso, o desarranjo das contas públicas ganha corpo com a PEC Eleitoreira. Aliás, Guedes tem evitado fazer comentários sobre essa PEC, que tem gerado desconforto técnicos sérios que ainda permanecem na equipe econômica.
"A questão é que o novo governo, seja quem for que vença as eleições, terá que lidar com essa agenda com muita incerteza na questão fiscal. Existe um legado já herdado de R$ 91,2 bilhões que são despesas extras que precisarão estar no Orçamento de 2023", alerta a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria. Segundo ela, nessa conta estão previstos a manutenção do Auxílio Brasil de R$ 400 e da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de 35%, mas não está incluída uma possível prorrogação da PEC Kamikaze. "Essa conta poderá ser muito maior e, em uma economia que vai crescer muito pouco, será um grande desafio para o governo administrar essa agenda em meio um cenário global de desaceleração", alerta.
Pelas estimativas da Tendências, uma das mais otimistas para 2023, o PIB deverá crescer 0,7% no ano que vem, mas não conseguirá avançar acima de 2% antes de 2025. Aliás, somente daqui a três anos, a renda per capita em dólar deverá voltar ao patamar de dois dígitos.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, estima crescimento de 0,5% do PIB em 2023, mas não descarta um cenário de recessão da economia no começo do ano que vem. "Temos uma desaceleração em curso vindo à frente por várias razões. Há um cenário internacional mais complicado, muito provavelmente recessivo pela frente. Aqui, no Brasil, a taxa de juros vai subir mais ainda em agosto e ficar, durante muito tempo, em patamar elevado. E esses elementos de risco estragam o cenário da economia com bastante intensidade no ano que vem", explica.
O analista lembra que o risco fiscal, por conta da PEC Eleitoral, piora as projeções, porque vira impacto em câmbio, que aumenta a inflação e pressiona ainda mais a taxa de juros. "O cenário, hoje, está bastante adverso, porque tem componentes domésticos e externos bem fortes que atrapalham a economia em 2023. E ainda tem a questão eleitoral", destaca Vale. Segundo ele, o fato de Bolsonaro estar atiçando a população, questionando a eficácia das urnas eletrônicas, por exemplo, também pode gerar ainda mais insegurança. "Vamos ter muita insegurança e muita incerteza sobre isso, além da polarização e como o futuro governo vai lidar com ela", acrescenta.
Marcos Ross, economista-chefe do Banco Haitong no Brasil, também prevê um quadro recessivo no ano que vem, em meio à derrocada fiscal e das instituições fiscais que estão levando o juro neutro para 4%, em termos reais. "Se isso for verdade, pode ser que a Selic tenha que ficar mais alta por bem mais tempo, o que acarreta em mais desaceleração econômica", alerta. A instituição chinesa estima altas de 0,8%, no PIB deste ano, e 0,3%, no do ano que vem em um cenário com a Selic encerrando 2022 em 13,75%, mas continuando em dois dígitos até o fim de 2023, quando fechará o ano em 10,75%, cenário que vem espantando a classe média do país.
O Itaú Unibanco, que iniciou o ano prevendo queda de 0,5% no PIB de 2022, hoje, projeta alta de 2%. Contudo, a instituição reforça o alerta sobre a piora no cenário fiscal e manteve em 0,2% a estimativa de alta do PIB no ano que vem. A estimativa do banco para o rombo fiscal em 2023 aumentou de 0,4% para 1,5% do PIB, com a dívida pública bruta chegando a 83,5% do PIB. "O quadro fiscal está piorando e isso é preocupante, porque tende a deteriorar as perspectivas macroeconômicas. Apesar da melhora das projeções do PIB deste ano, a política monetária continua contracionista", destaca Julia Gottlieb, economista do Itaú Unibanco.