A equipe econômica comemorou o superavit primário (economia para o pagamento da dívida pública) recorde de R$ 14,4 bilhões nas contas do governo central em junho, conforme dados divulgados ontem pelo Tesouro Nacional. O resultado reverteu o saldo negativo do mesmo período de 2021, de R$ 73,5 bilhões, e superou as estimativas do mercado, de um deficit primário de R$ 39,4 bilhões. O secretário do Tesouro, Paulo Valle, classificou o resultado como "histórico".
O resultado fiscal de junho foi o melhor, em termos nominais (sem descontar a inflação), da série histórica do Tesouro, mas o sétimo, em termos reais (em valores atualizados pela inflação). Contudo, especialistas alertam que os dados positivos são um ponto fora da curva e, em boa parte, resultado do aumento de receitas extraordinárias, ou seja, não recorrentes, que não se repetem todo ano. Portanto, não há garantia de que as despesas, que não param de crescer — principalmente, as medidas eleitoreiras criadas com a PEC Kamikaze, que dificilmente serão canceladas em 2023 —, serão realmente cobertas. Para analistas, não é possível falar em consolidação fiscal.
"A fotografia parece boa, mas o filme é ruim e mostra uma trajetória de gastos que não será resolvida com um ponto fora da curva. O governo tenta mostrar dados melhores, mas os fundamentos pioram e não estão sendo mostrados. A transparência vem diminuindo e, para fazer frente ao aumento de gastos, estão até antecipando repasse de dividendos de estatais", alertou a especialista em contas públicas Karina Bugarin, pesquisadora do Laboratório de Políticas Públicas e do Núcleo de Economia Regional e Urbana da Universidade de São Paulo (USP).
As contas do governo central reúnem Tesouro, Banco Central e Previdência Social. Paulo Valle lembrou que Tesouro e Banco Central foram superavitários em R$ 56,8 bilhões e a Previdência Social apresentou deficit primário de R$ 42,4 bilhões. O resultado primário é a diferença entre a receita líquida e as despesas, sem considerar a conta de juros da dívida pública.
No mês passado, a receita líquida cresceu 53,9%, em termos reais, para R$ 190,5 bilhões. Duas rubricas que mais contribuíram para esse aumento não são administradas pelo Fisco. Concessões e dividendos registraram saltos de 9.659,7% e de 6.804,4%, respectivamente, e juntos, foram responsáveis por R$ 52,3 bilhões do aumento da receita — 3,6 vezes o valor do superavit primário do mês passado.
Enquanto isso, as despesas encolheram 14,5% entre junho de 2021 e de 2022, para R$ 176,1 bilhões. A queda, de R$ 29,9 bilhões, em grande parte, é resultado do atraso de pagamentos de precatórios referentes a benefícios previdenciários de servidores, de acordo com Valle. Conforme dados do Tesouro, essa despesa teve queda de R$ 10 bilhões, na comparação com o mesmo período de 2021, para R$ 2,1 bilhões. Os gastos com pessoal recuaram R$ 9,9 bilhões. Desembolsos com sentenças judiciais e precatórios encolheram R$ 11,2 bilhões.
"Tem muita receita atípica", destacou a especialista em contas públicas Juliana Damasceno, da Tendências Consultoria. Ela lembrou que os riscos fiscais estão aumentando e reforçou que parte do resultado positivo é decorrente de receitas extraordinárias, de uma arrecadação que vem crescendo graças ao aumento de preços, e do congelamento de salários dos servidores, que fez a despesa com pessoal encolher 28% em junho. "É claramente insustentável um equilíbrio fiscal que depende de congelamento de salários e imposto inflacionário ou estímulos (nada pequenos) de demanda", frisou.
"Mesmo sem reajustes, o governo gasta mais do que o limite do teto e as despesas sob essa regra constitucional cresceram 16,4% no primeiro semestre 2022", acrescentou a analista da Tendências. Ela lembrou, ainda, que o governo já precisou bloquear R$ 13 bilhões do Orçamento deste ano, sem contar com os R$ 41,2 bilhões de benefícios recém aprovados fora da regra do teto. "Portanto, não há ajuste estrutural, mas ajuda da conjuntura. A ilusão é grande. Cai quem quer", frisou ela, em referência à PEC Kamikaze.
Dividendos antecipados
Durante a apresentação dos dados, Paulo Valle confirmou que o governo solicitou a antecipação de dividendos de quatro estatais. Ele negou que a medida seja uma nova espécie de pedalada fiscal. "É prática comum de mercado e não compromete o resultado de 2023", disse.
"A antecipação de dividendos de estatais parece um movimento político para alegar que o atual governo conseguiu o que não temos há mais de 10 anos — um superavit primário significativo. Mas isso é uma forma de maquiar um futuro tenebroso", contestou Karina Bugarin, da USP. "O problema fiscal do Brasil é uma questão de fluxo, não de estoque. Então, pode ser que o governo feche o ano com números bons, mas isso não vai segurar a tendência de expansão de gastos", resumiu.
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