Correspondente em Lisboa — Quem pensa que, em países do primeiro mundo, o atendimento do setor público ao cidadão é top de linha deve viver a experiência de passar ao menos uma manhã num posto da Seguridade Social de Portugal. O órgão corresponde ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) do Brasil. Filas, gritos, confusões e polícia são frequentes nas agências. Não foi diferente nesta segunda-feira (18/07), no posto de Almada, região metropolitana de Lisboa.
Antes das 9h, horário em que as agências abrem, as filas já são enormes. Os que conseguiram quebrar as barreiras operacionais do site da Previdência para marcação de atendimento entram rápido, ainda que, a partir daí, a burocracia e o mau-humor da maior parte dos funcionários se tornem um teste de paciência e resiliência. Do lado de fora, os que não conseguiram ajuda da tecnologia levantam a voz e pedem o mínimo de compreensão. Têm coisas urgentes a resolverem.
Dependendo de quem estiver fazendo a triagem na porta dos postos, o bom-senso prevalece e a entrada é liberada. Nada, porém, garante que as pendências serão resolvidas. Se o funcionário que estiver no balcão encrencar com qualquer vírgula, nada vai adiante. A desculpa é sempre a de que o regulamento não prevê aquilo. Portanto, que se marque um novo atendimento quando for possível.
No saguão de espera dentro da agência de Almada, o burburinho é grande. Queixas por todos os lados. Uma mulher com a filha de 2 anos reclama que as senhas de prioridade acabaram. "Isso é um absurdo. Chame a chefe do posto que quero falar com ela", diz, em voz alta ao segurança. "Estive internada por quatro meses, preciso resolver a minha vida", enfatiza, batendo forte no balcão.
Dois minutos depois, a chefe do posto aparece e pede que a mulher abaixe o tom de voz. Neste momento, um policial chega e pede calma. Depois de muita discussão, a chefe do posto diz a mulher que abriria uma exceção e ela seria atendida assim que possível. A mulher agradece, mas pede o livro de reclamações. Quer deixar registrado todo o seu descontentamento. A queixa vai se perder na burocracia.
Telefone proibido
No meio do saguão, uma senhora fala alto que a senha dela nunca é chamada. Afirma que todo mundo estava passando na sua frente. Para tentar acalmá-la, o segurança diz já havia feito uma concessão a ela, que entrou na agência sem marcação. Ela seria atendida quando desse. Minutos depois, o telefone da senhora toca. Ela, de novo, começa a reclamar da demora com a pessoa do outro lado da linha. Nesse momento, todos os atendentes do posto se viram para ela e pedem para que desligue o celular. Não era permitido usar o telefone ali. Como não deu bola para os alertas, a polícia foi acionada. O clima pesou.
No balcão, um homem próximo dos 50 anos questiona alto: “De que adianta contribuir com a Previdência se não temos o atendimento adequado?” Ele afirma que está cansado de perder dias inteiros para resolver a burocracia que estão lhe impondo. Impávida, a atendente do posto pergunta, diversas vezes: "O senhor prefere marcar um horário pela manhã ou pela tarde?" Na quinta vez, ele responde: "Pela manhã".
No meio desse tumulto, os estrangeiros, que estão numa situação mais adversa, tentam não se contaminar pelo nervosismo. Aos cochichos, admitem que precisam ter paciência, pois, sem a documentação da Previdencia Social, podem ter o processo de imigração barrado. “Vamos ter calma. Já vim aqui quatro vezes. Não quero voltar de novo”, frisa um angolano para a mulher e as duas filhas.
Outro estrangeiro só precisava de uma declaração para o banco de que não tem pendências com a Previdência Social de Portugal. Ele conseguiu a senha eletrônica e foi atendido. O marido, que necessitava do mesmo documento, conseguiu passar por uma triagem, mas, ao chegar a atendente, ouviu que uma circular havia sido emitida na semana passada limitando os serviços para quem havia se beneficiado de uma brecha. A sorte foi que, num lapso de simpatia, a funcionária do Serviço Social disse que poderia marcar um atendimento para ele no dia seguinte. “Para quem está precisando, o que é esperar mais um dia”, desabafa.
O governo português reconhece que tem muito a melhorar no atendimento da Previdência Social, que perdeu um grande número de funcionários nos últimos anos. Apesar de todas as promessas, o reforço de pessoal ainda não se tornou realidade. Enquanto isso, cenas como a desta segunda-feira no posto de Almada continuarão corriqueiras. Os cidadãos que tenham paciência. É o que lhes resta.
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