O ministro da Economia, Paulo Guedes, quebrou o silêncio, ontem, e festejou a vitória do governo — que teve ajuda da oposição — na aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 1/2022, que cria um pacote de R$ 41,2 bilhões de benefícios fora do teto de gastos, a chamada PEC das Bondades ou Eleitoreira. O chefe da equipe econômica elogiou a medida e disse várias vezes que o "fiscal continua forte", sem poupar críticas a quem diz o contrário.
Segundo o ministro, a PEC, também chamada de "Kamikaze", promulgada ontem pelo Congresso, não terá "impacto líquido" nas contas públicas. "O fiscal está forte. Os bancos centrais do mundo inteiro dormiram no ponto, estão correndo atrás (elevando os juros), e o nosso Banco Central foi o primeiro a se mover. O resultado primário consolidado está zerado e nenhum país fez isso, a não ser Cingapura", disse Guedes.
A fala ocorreu durante discurso a jornalistas na abertura da apresentação das novas previsões macroeconômicas da pasta, que elevou de 1,5% para 2% a projeção do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano e manteve em 2,5% a estimativa para 2023 — dado bem acima da mediana do mercado, de 0,5%.
Foi Guedes quem começou a chamar a PEC de Kamikaze, mas, ontem, elogiou o fato de o impacto ter ficado menor do que os R$ 120 bilhões inicialmente previstos. Ao atacar os críticos das medidas, o ministro disse que essas pessoas não estão "preparadas tecnicamente", porque possuem "paixão por militância partidária" e "torcem contra o Brasil". Ele também minimizou os riscos domésticos e voltou a frisar que a aversão ao risco e a inflação "são fenômenos mundiais". "A inflação está subindo no mundo inteiro e todos estão tendo que rever o crescimento para baixo. Hoje, está bastante claro que a crise lá fora será bem mais aguda do que se esperava", disse.
As falas de Guedes não foram bem recebidas pelo mercado. Especialistas lembram que o ministro não defendeu publicamente a PEC durante a tramitação no Congresso, que atropelou regras eleitorais, constitucionais e regimentais para que o pacote fosse aprovado. Aliás, o mercado financeiro vem refletindo, em grande parte, o aumento da preocupação com a deterioração fiscal, diante da expectativa de aumento do rombo das contas públicas para 1,5% do PIB em 2023.
Novo arcabouço fiscal
Os analistas também estão alvoroçados com a expectativa de um "novo arcabouço fiscal", sinalizado tanto pelo atual governo quanto pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a partir de 2023. Procurado, o Ministério da Economia evitou comentar o assunto. Apenas informou que "eventuais discussões sobre essa ideia estão previstas na EC 109, de 15 de março de 2021", que deu lugar à PEC Emergencial.
O ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria, Mailson da Nóbrega, avaliou a votação da PEC Eleitoral como uma "completa avacalhação". Para ele, Guedes está em uma realidade paralela, a serviço da reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL). "O ministro tenta convencer o impossível, ou imagina que as pessoas não sabem fazer conta, e tenta desmoralizar quem critica. Paradoxalmente, essa é uma estratégia stalinista. Não se discute o tema, desmoraliza-se o crítico", comparou Nóbrega, citando, ironicamente, a ditadura de esquerda russa da primeira metade do século 20.
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Segurança no inferno
"Qualquer pessoa razoavelmente informada sobre questões fiscais sabe que o Brasil tem uma situação grave, e que não estamos apenas violando as regras fiscais, de maneira descarada com objetivos eleitorais, mas também do ponto de vista civilizacional", destacou o ex-ministro da Fazenda, lembrando que, em países onde a democracia é consolidada, como nos Estados Unidos, mudar a Constituição leva, no mínimo, dois anos. "O Congresso deu um recado claro com essa PEC: as regras não valem e ele muda quando quiser. Isso é um desastre. A segurança jurídica foi para o inferno", frisou.
O economista Alberto Ramos, diretor para a América Latina do Goldman Sachs, também fez alertas sobre o aumento dos riscos fiscais promovido com a PEC Eleitoral. Ele observou que o governo alega que a arrecadação está aumentando, mas esquece que essas receitas não são permanentes.
"A situação fiscal do Brasil ainda é muito delicada e o país ainda tem que caminhar muito no caminho da consolidação fiscal. A curto prazo, a receita está evoluindo relativamente bem, mas grande parte são fatores que não são permanentes. Parte dessa receita é cíclica, não estrutural, e não dá para financiar tanto aumento de gastos sem elevar o endividamento", disse. "Em vez de poupar o excesso de receita, o governo está gastando mais e contratando mais dívida no futuro (que precisará ser paga com mais inflação ou mais imposto)", acrescentou.
Na avaliação de Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, quando Guedes procura falar apenas da melhora do resultado fiscal, que deverá fechar este ano perto de zero, a fotografia parece boa. Mas quando se olha para o futuro, considerando que a receita não deverá continuar crescendo, porque a economia deverá perder fôlego a partir do próximo semestre, a reação dos mercados é justificada.
Para Padovani, o rombo das contas públicas tende a aumentar, assim como a dívida, com a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 13,25% ao ano, podendo subir ainda mais, já que o Banco Central precisará manter os juros em patamares mais elevados para compensar tanta expansão fiscal. "O retrato é bom, mas o filme é ruim", resumiu.
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