A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça, está apurando se o aplicativo TikTok viola regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC) no Brasil. Para especialistas, a decisão ajuda a combater a publicação de conteúdo impróprio nas redes sociais, mas exige compreender o uso de redes sociais no país.
A decisão de investigar a rede social foi publicada na última segunda-feira, no Diário Oficial da União (DOU). No despacho, a diretora do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Senacon, Laura Postal Tirelli, afirma que “há indícios de infração”, uma vez que o CDC diz que o documento exige a "proteção contra a publicidade enganosa e abusiva".
O despacho diz que o código prevê "a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos" e exige que as empresas não se beneficiem, mais expressivamente junto à infância, "da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social".
De acordo com o despacho da Senacon publicado no DOU, serão comunicados da decisão a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e a Agência Nacional de Proteção de Dados.
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TikTok
O TikTok respondeu ao Correio para dizer que cumpre diretrizes de proteção de conteúdo para criar um "ambiente seguro para todos".
"A segurança da comunidade do TikTok é nossa maior prioridade e temos políticas, processos e tecnologias robustas para ajudar a proteger todos os usuários, principalmente os nossos membros mais jovens. Para garantir um ambiente seguro para todos, nossas Diretrizes da Comunidade deixam claro os conteúdos que não são permitidos em nossa plataforma, como por exemplo violência e conteúdos explícitos, que serão removidos assim que identificados. Fazemos parceria com especialistas e organizações de segurança para apoiar este trabalho e dialogamos com líderes do setor para promover medidas de segurança dos jovens no TikTok, entre elas definir contas com menos de 16 anos como privadas por padrão e permitir que os pais vinculem suas contas às de seus filhos por meio da Sincronização Familiar".
Rede social
Atualmente, o Brasil é o segundo país com mais usuários na rede social TikTok, atrás apenas da China, de acordo com a Statista, empresa alemã especializada em dados do mercado financeiro e consumidores.
Para especialistas, a decisão do MJ acerta ao investigar publicações suspeitas. "A decisão por parte do MJ é plausível, pois a quantidade de conteúdo impróprio dentro da plataforma ainda é muito grande, especialmente para menores de 16 anos”, avalia Diego Davoli, especialista em marketing digital e audiovisual e cofundador da Academia de Tiktokers, escola voltada para o ensino da plataforma no Brasil.
“Porém, podemos levantar um debate acerca das outras plataformas que, como o Instagram, apesar de utilizarem mecanismos semelhantes ao do TikTok, não passam pela mesma situação que a rede social da ByteDance vem enfrentando", diz o analista, referindo-se à investigação do MJ sobre a proprietária do TikTok.
Entretanto, destaca Davoli, o algoritmo do TitTok é capaz de reconhecer rosto ou voz infantil no vídeo e barrar a publicação. “O algoritmo do TikTok é extremamente sagaz em reconhecer um rosto ou voz infantil no vídeo: em especial se estiver desacompanhado de um adulto, sem camisa ou dançando, o vídeo com a criança não será entregue nos recomendados ou terá baixíssima distribuição, apenas para amigos na plataforma (se seguem mutuamente). É muito comum mães postarem um vídeo de seus filhos no TikTok e não entenderem o porque desses vídeos serem “barrados pelo algoritmo”.
De acordo com as regras da plataforma, menores de 13 anos não podem sequer se cadastrar na plataforma e, para menores de 16 anos, o acesso é restrito, com uma série de funções e recursos que são bloqueados por conta da idade, como vídeos ao vivo, as chamadas lives, por exemplo. “Muitos jovens tentam burlar as regras do aplicativo, utilizando dados falsos no momento do cadastro. Pode funcionar por um tempo, porém, em algum momento o algoritmo identificará que se trata de um menor de idade e a conta será banida”, finaliza Davoli.
Pesquisador do Programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Luã Cruz diz que a decisão da Senacon é "bem intencionada", especialmente por dar atenção ao público infanto juvenil e a um aplicativo que vêm sendo muito utilizado por pessoas dessa faixa etária. Entretanto, a atuação sobre uma empresa ou um aplicativo específico não resolve os problemas enfrentados por menores de idade, uma vez que estes utilizam uma série de outras aplicações, como WhatsApp, Facebook e YouTube.
"Nesse sentido, vale retomar o caso de investigação conjunta (ANPD/CADE/MPF/SENACON) sobre as mudanças na política de privacidade do WhatsApp, que teve a participação dessa mesma Senacon, mas sem as mesmas medidas deste atual caso do TikTok. Inclusive, no caso do WhatsApp, as autoridades reconheceram que existem medidas que poderiam intensificar o resguardo das crianças e adolescentes, mas que ainda não foram objeto de ação preventiva e fiscalizadora da Senacon ou da ANPD, por exemplo. As mesmas autoridades também reforçaram que é necessário olhar pra todas as práticas de todas as plataformas no caso de crianças e adolescentes", avalia.
Para ele, é importante relembrar que a retirada de conteúdos e a preservação da liberdade de expressão já é regulada pelo Marco Civil da Internet, que afirma em seu texto que decisões de retirada de conteúdos devem ser específicas e por decisão judicial, não administrativa. "É possível que o TikTok se veja obrigado a retirar uma série de conteúdos lícitos apenas para não ser alvo de multas", afirma.
"Esse caso é apenas mais um sintoma da falta de novas regulações sobre as grandes plataformas, este tipo de situação poderia ser melhor lidada caso já tivéssemos uma lei que estabelecesse regras de transparência, devido processo e responsabilização para as big techs", finaliza.
O Idec, junto com a Coalizão Direitos na Rede, tem atuado há anos pela aprovação do PL2630/2020, que tramita na Câmara dos Deputados e que traz uma série de novas obrigações e responsabilidades para estas empresas de tecnologia.
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