Enquanto parlamentares pretendem ampliar benefícios na Proposta de Emenda Constitucional 1/2022, chamada de PEC Kamikaze pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, o chefe da equipe econômica faz voto de silêncio. Ele evita contrariar a estratégia do Planalto, que pretende dar uma cartada decisiva na corrida eleitoral.
A PEC Kamikaze tomou lugar da PEC dos Combustíveis e deve sofrer alterações, com previsão de mais gastos, na Câmara dos Deputados. A medida tem sido chamada de "pacote de bondades" — até mesmo pela oposição, que votou a favor da PEC no Senado —, mas os efeitos dessa articulação não serão nada positivos. Em 2023, o dólar tenderá a subir com a falta de perspectiva de um controle fiscal; a inflação continuará persistente; e o Banco Central será obrigado a manter os juros em dois dígitos no próximo ano, travando o crescimento econômico.
Nos bastidores do Ministério da Economia, a preocupação é grande. "É a farra do boi da farra do boi", lamentou uma fonte da Esplanada, que pediu anonimato. Assessores próximos a Paulo Guedes afirmam que o ministro não vai comentar a PEC que joga por terra a agenda liberal do governo Bolsonaro. Ontem, ele cancelou o único compromisso público na agenda devido "a reuniões internas".
Quando tinha mais poder e era mais respeitado pelo mercado, Guedes ameaçou deixar o cargo em razão de medidas bem menos prejudiciais às contas públicas do que a atual PEC. Mas, ao longo do mandato, cedeu à pressão da ala do governo que defende furar o teto de gastos. Ao longo desse processo de desgaste, vários integrantes favoráveis à austeridade fiscal deixaram o governo.
"Deve ser difícil (para o Guedes) ver tudo que está sendo feito no fiscal com consequências sérias à frente. O governo, que já não era liberal, jogou a última pá de cal na economia do governo. O movimento é eleitoral e contra isso o ministro não tem o que fazer", destacou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Além do risco fiscal na PEC das Bondades, analistas advertem para outros problemas. Lembram que a inflação dificilmente ficará abaixo do teto da meta de 2022, de 5%. As estimativas mais otimistas apontam uma redução para algo em torno de 7,5% no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no fim deste ano. Até maio, o indicador acumulou alta de 11,73% nos 12 meses. "A inflação deve ceder um pouco, mas não por conta da queda dos preços dos combustíveis e sim nos alimentos", alerta o economista da MB.
De acordo com Vale, algumas consequências dessa PEC são: mais inflação e mais risco fiscal para o próximo governo, seja ele qual for. Provavelmente, segundo ele, a inflação registre desaceleração este mês, mas não há garantia de que não haverá novos reajustes nos combustíveis. Por um lado, a instabilidade fiscal ajuda a pressionar o câmbio. Por outro, a guerra na Ucrânia, sem perspectiva de trégua, deve manter o barril do petróleo valorizado. "Devemos ter deflação em julho, mas da ordem de 0,5%. Depois ela volta por causa do preço do petróleo e do câmbio. A defasagem de gasolina tá muito alta, mais de 20%", alertou.
"Essa PEC é muito ruim, cria um enorme problema para a institucionalidade do arcabouço fiscal", alerta Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da RYO Asset. Pelas contas dele, as medidas podem incrementar o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano em 0,5 ponto percentual, mas deve encolher o PIB do ano que vem em 0,3 ponto.
Luis Otavio Souza Leal, economista-chefe do Banco Alfa, lembra que, com essa nova PEC, o governo pode ajudar a melhorar o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, de 1,7% para 2%, mas está contratando uma piora para o ano que vem. Pelas estimativas dele, a alta do PIB de 2023, que está em 0,5%, poderá ficar em zero. Enquanto isso, o dólar continua subindo em meio às discussões da PEC e suas incertezas sobre o tamanho do impacto nas contas públicas. "Enquanto não acabar a tramitação dessa PEC, novos gastos podem aparecer e o mercado vai ficando estressado e o dólar continuará valorizado", afirmou.
De acordo com analistas, a PEC Kamikaze vai na contramão dos princípios de responsabilidade fiscal em pleno ano eleitoral, pois cria o estado de emergência como subterfúgio extremamente perigoso para a economia. Uma das medidas mais custosas é o aumento de R$ 400 para R$ 600 no Auxílio Brasil, que substituiu o Bolsa Família. Conforme o texto aprovado pelo Senado, o benefício de R$ 600 deve representar uma despesa adicional de R$ 26 bilhões aos cofres públicos, considerando 19,8 milhões de famílias se a fila for zerada.
Procurados, os ministérios da Economia, da Cidadania e a Caixa não comentaram o assunto.
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Impacto direto na inflação
Analistas ouvidos pelo Correio alertam que o impacto fiscal provocado pela PEC 1/2022 vai comprometer a missão do Banco Central de cumprir a meta de inflação pelo terceiro ano consecutivo.
Na avaliação de Samuel Pessoa, professor e pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV), com a PEC Kamikaze, o governo está dando benefícios com uma mão e tirando com a outra, porque a inflação sobe e a população perde o poder de compra. "Quem ganhar a eleição vai ter um trabalho duro pela frente. E, por isso, eu tenho um moderado otimismo. A experiência diz que político que produz inflação é punido", frisa.
Para Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, a PEC é "inaceitável". "Isso é um retrocesso gigantesco, não só econômico, como também social. Por conta dessas mazelas, o Plano Real não avança no seu propósito inicial de (estabelecer) uma menor diferença da renda entre os mais abastados e os mais pobres, o que é garantido quando a inflação consegue ficar em um nível civilizado, abaixo de 5%, por um período mais prolongado. Só assim as políticas econômicas conseguirão caminhar em direção para reduzir a desigualdade."
Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, estima que as consequências fiscais virão à tona em 2023. "Estamos desenhando uma estratégia de política econômica que tende pressionar a dívida pública e a taxa básica da economia (Selic). O resultado dessa expansão fiscal será menos crescimento e juros mais altos", alerta.
O lado positivo, na avaliação de Padovani, é que a volta da hiperinflação não está no debate público, em grande parte, graças à autonomia do Banco Central.