Jornal Correio Braziliense

INFLAÇÃO

'A situação é deplorável, diz padre sobre preços da cesta básica e do gás

Com o encarecimento dos combustíveis, preço do conjunto de produtos essenciais para alimentar uma família padrão aumenta fortemente em todas as capitais brasileiras. População não vê possibilidade de melhora a curto prazo

Com o anúncio de um novo aumento nos preços dos combustíveis da Petrobras na última semana, cresce a expectativa de maior arrocho econômico para a população. O preço da cesta básica registrado em maio de 2022, por exemplo, está até 23,94% mais alto do que no mesmo mês do ano passado, enquanto que o gás de cozinha aumentou 9,8% somente neste ano e 324,1% desde o início da adoção da paridade de preço internacional (PPI) dos combustíveis pela Petrobras, em 2016.

Os dados são de um levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) realizado a pedido da Federação Única dos Petroleiros (FUP), que também mostra que, entre outubro de 2016 e junho de 2022, o diesel nas refinarias subiu 221,6,%, enquanto a gasolina aumentou 170,6% no mesmo período. Em contraponto, o salário mínimo teve alta de 37,7%.

"(O preço dos combustíveis) Impactou, na medida em que muitas pessoas não conseguem comprar o gás. Muitos cozinham com etano ou na lenha. A situação é deplorável, à medida que não se tem o básico e o essencial para viver. Não tem gás e, em grande parte, nem alimento para sobreviver", diz o padre católico Júlio Lancellotti, que realiza trabalho assistencial no centro de São Paulo.

O cenário descrito pelo padre, reconhecido mundialmente pelos seus trabalhos sociais, é uma das características mais perversas da inflação, que não deve ceder tão cedo. "Produtos como gás de cozinha, gasolina e óleo diesel são o que nós, economistas, chamamos de itens com demanda inelástica, ou seja, de difícil substituição. Nesse caso, há muito pouca coisa que os trabalhadores possam fazer no curto prazo", explica o professor Giácomo Balbinotto, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Um dos mais tradicionais indicadores da economia brasileira, o preço da cesta básica não para de subir. No período de um ano, até maio passado, o aumento foi sentido em todas as capitais, com variações que oscilaram entre 13,17%, em Vitória e 23,94%, em Recife.

Apenas entre abril e maio, as maiores elevações nos preços da cesta básica foram registradas em Belém (2,99%), Recife (2,26%) e Salvador (0,53%). São Paulo foi a capital onde o conjunto dos alimentos básicos apresentou o maior custo em maio, de R$ 777,93. Florianópolis teve uma cesta básica de R$ 772,07; Porto Alegre, de R$ 768,76; e o Rio de Janeiro, de R$ 723,55.

A boa notícia é que também foi registrada retração de um mês para outro. Quedas expressivas ocorreram em Campo Grande (-7,30%), Brasília (-6,10%), Rio de Janeiro (-5,84%) e Belo Horizonte (-5,81%). Os menores valores médios foram registrados em Aracaju (R$ 548,38) e João Pessoa (R$ 567,67).

Em contraponto, de acordo com os cálculos do Dieese, em maio de 2022, o salário mínimo necessário para a renda de uma família de quatro pessoas deveria equivaler a R$ 6.535,40, ou 5,39 vezes o mínimo atual, de R$ 1.212,00.

"Essa é a principal característica da inflação. Os efeitos são perversos no poder de compra dos trabalhadores. Além disso, sentimos o peso em muitos dos produtos derivados do petróleo, que impacta em outros produtos para frente ou para trás", diz Balbinotto.

Pessimismo

Realizada com 3 mil pessoas, entre 21 de maio e 2 de junho, nas cinco regiões do país, a pesquisa Radar Febraban traz mais evidências do problema.

Pelo menos 93% dos entrevistados afirmaram que o preço dos produtos "aumentou muito em relação ao início do ano", e oito em cada 10 entrevistados (78%) disseram que o consumo de alimentos foi o mais impactado pela inflação. Pior ainda, mais da metade dos entrevistados, ou 51%, acreditam que a vida financeira familiar só voltará a se recuperar após 2022 ou que isso está fora do horizonte.

O número de pessimistas é maior quando se fala na recuperação da economia do país, com contingente de 77%. Alinhados com esse sentimento, 66% têm expectativa negativa também no que se refere ao crescimento do país.