"Não tenho segurança nenhuma de direitos, mas não tenho o que fazer. Já tentei muito conseguir trabalhar com carteira assinada, só que faz um tempo que parei." O depoimento da empregada doméstica Elizandra Cruz, baiana de 42 anos, radicada no Distrito Federal, revela um pouco da precarização pela qual passa uma das atividades profissionais mais tradicionais do país. Não muito diferente de outras categorias, esses trabalhadores perderam vagas com carteira assinada, sentiram a redução da renda e precisaram retornar ao trabalho informal.
O cenário sobre o trabalho doméstico no Brasil foi descrito em pesquisa recentemente publicada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). O estudo mostra que esse mercado é formado mais por mulheres, em sua maioria negras, na casa dos 40 anos de idade e com renda mensal abaixo de R$ 1 mil. Além disso, sem carteira assinada.
Aposentadoria
"São nove anos nessa luta, mas sigo firme. Sempre trabalhei informalmente, nunca trabalhei como doméstica com carteira assinada e pago a contribuição social ao INSS de forma autônoma. Contribuo há pouco tempo, uns oito anos. Mas, sinceramente, do jeito que está, com essa nova lei, creio que não vou me aposentar tão cedo. Se não mudar isso, não vejo como me aposentar antes dos 65, 70 anos, infelizmente", diz Elizandra.
Em 2019, mulheres com idade média de 43 anos ocupavam 92% das vagas. E a cada três trabalhadoras domésticas, duas são negras, que, em média, recebem 20% menos que as não negras. De 2019 para 2021, a informalidade no setor aumentou no período da pandemia e os salários diminuíram.
"Já passei por algumas dificuldades, principalmente na pandemia. Uma das pessoas que contrataram meu serviço continuou pagando meu salário por um ano naquele início de pandemia, porque tudo fechou, e eu não podia entrar nas casas. Em muitos momentos não pude trabalhar por saúde mesmo, e meus patrões ficaram pagando pra mim. Teve vez de desmaiar, me sentir meio mal durante o serviço, porque tenho uns problemas de saúde, mas tinha que continuar, já que não tenho carteira, sou autônoma", explica a doméstica, que trabalha em três casas e, algumas vezes, acorda às 5h para ir de bicicleta ao trabalho.
Ganho incerto
Há três anos, a média salarial era de R$ 1.016,00. No ano passado ficou em R$ 930,00. No total, no passar destes anos, o número de trabalhadores diminuiu de 6,2 milhões para 5,7 milhões. “Ganhava com carteira assinada R$ 1,3 mil e ficava com R$ 1,1 mil, tirando as garantias do INSS. Hoje, não sei ao certo quanto ganho porque, realmente, está bem incerto”, diz Geilza Rodrigues, 47 anos, doméstica desempregada.
Elizandra Cruz conseguiu romper essa barreira. “Eu recebo mais por diária do que no mensal, porque, quando o pagamento é fixo, o valor da diária sobe, mas é apenas uma vez por semana. Minha diária é de R$ 160, e, se for várias vezes na semana compensa mais. Por mês, juntando tudo tiro uns R$ 1.700 ou R$ 1.800”, relata.
Direitos
Em média, quem tem emprego informal recebe 40% menos. A pesquisa indica que a média salarial sem carteira assinada é de R$ 802, enquanto quem tem carteira assinada recebe R$ 1.338. Com isso, trabalhadores e trabalhadoras acessam e garantem os direitos previstos na CLT, como descanso semanal e férias remuneradas.
O que ainda não foi suficiente para mudar realidades que exigem esforço redobrado diante das dificuldades. “Quando trabalhava com carteira assinada, acordava às 5 horas da manhã para chegar às 7h. Eu ia de ônibus. Combinava de chegar cedo para sair mais cedo. É importante sair pelo menos por volta das 4 horas. É muito corrido, tanto que o patrão coloca horário de almoço e a pessoa não almoça, né? Se parar para almoçar você sai muito tarde. Comia quase em pé”, finaliza Geilza.(MP)
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