O crescimento de 1% da economia no primeiro trimestre em relação a igual período anterior é mais uma oportunidade para um mergulho nas causas do baixo dinamismo do Produto Interno Bruto (PIB). Só que não. Como das outras vezes, poucos se atrevem nesse exercício.
Uns, por não darem importância ao planejamento de longo prazo, sem o qual o investimento na produção empresarial jamais terá tração. A taxa de investimento foi de 18,7% do PIB no primeiro trimestre, 5% abaixo da posição no mesmo período de 2021. Para crescer a base produtiva, portanto, o emprego e salário médio, a taxa de investimento deve ser da ordem de 23% do PIB por 20 anos seguidos.
O que chamamos de crescimento econômico, com gastos em máquinas e equipamentos, além de construção, produção agrícola, atividades de serviços (que incluem de games a academias de ginástica, de bancos a teatros, de plataforma de e-commerce a supermercados), equivale a ocupar os quartos um hotel sem hóspedes. O crescimento que alarga a riqueza, o emprego e a renda vêm de investimentos, não de consumo.
Para expandir a riqueza nacional, vulgo PIB, é preciso, conforme a imagem, construir mais hotéis. Leia-se: mais plantações, fábricas, shoppings, estradas, portos, energia etc. Isso é investimento.
Mas a maioria acha, honestamente, que a economia carece só de mais reformas que liberalizem os negócios e reduzam seus custos. Faça-se isso e o progresso brotaria como capim em terra seca após a chuva. E há quem queira deixar como está: são os rentistas, "investidores" segundo a imprensa, embora, se não correm riscos aplicando os seus dinheiros em novas iniciativas, não são empreendedores lato sensu.
Como esperado, ninguém fugiu do roteiro amarelado pelo tempo. Os economista do governo esbanjaram otimismo, falando em crescimento "robusto" do PIB. O pessoal do mercado financeiro alertou para um crescimento ainda mais modesto no segundo semestre, quando deverão ser mais sentidos o ciclo de alta dos juros pelo Banco Central e a corrosão do poder aquisitivo da população pela inflação. Os porta-vozes do empresariado lamentaram o pálido resultado do investimento. Tudo certo e nada resolvido.
Da era dourada à estagnação
Crescimento econômico é sinônimo de desenvolvimento se os ativos produtivos se expandem, como ocorreu com a ocupação dos cerrados pela agricultura graças à irrigação e colheita mecanizada, levando o país a se tornar potência mundial em soja, milho etc.
Ou quando a Petrobras iniciou a exploração do pré-sal. Ou quando o Xingu, primeiro avião da Embraer, decolou. Ou saiu da fábrica o primeiro Fusca montado pela Volkswagen no Brasil. Tais eventos se desdobraram em edifícios, shoppings, novos bairros.
Isso se chama desenvolvimento, progresso, fruto de planejamento. É capitalismo na veia, não sortilégios de comunista, como liberais de vitrine e alguns empresários repetem sem pensar. Traders de papéis e criptomoedas dublês de economistas também aprenderam que falar de "precipício fiscal" atrai clientes e a atenção da imprensa.
Desenvolvimento vem com investimentos em gente, em máquinas, em logística, coisas desprezadas pelo currículo dos cursos de economia nos EUA a partir dos anos 1990. Parte das elites econômicas viu na corrosão das finanças dos EUA pela guerra no Vietnã e na inflação enfrentadas com mais impostos, dívida e tabelamento de preços e de salários a chance de nocautear a "era dourada" do capitalismo — o New Deal dos anos 1930 e o keynesianismo do pós-Guerra em 1945.
O "neoliberalismo" começou assim, com desregulamentação, corte de impostos, dissolução do poder sindical, e veio dar em Trump, eleito com a promessa resumida no slogan MAGA, de "Faça a América Grande Novamente", o que não soube fazer. Joe Biden mudou o slogan mas não a intenção. É isso o que está em choque nos EUA: os neoliberais de Wall Street versus os liberais da esquerda democrata e a nova direita dos republicanos (também chamada de trumpismo sem Trump).
Contra a crise permanente
Essa é a discussão de fundo que importa ao Brasil, não os ataques de Bolsonaro ao TSE e ao comunismo, distrações para ter quem culpar pelo fracasso de seu governo. Nem os de Lula contra a ajuda militar dos EUA à Ucrânia invadida pelo ditador Vladimir Putin, expondo um antiamericanismo tosco ensaiado também por Bolsonaro.
A quem interessar a compreensão sobre o que vai pelo mundo e pelas causas de a economia estar estagnada, implicando o colapso de nossa mobilidade social, recomenda-se atentar para a linha do tempo das transformações. Elas têm sido benéficas para o mundo emergente, em especial a China, e danosas a quem deserdou o investimento e planos de desenvolvimento de Estado, não de partidos, nem do tal mercado.
Se países que estavam atrás de nós até 1980, como China, Coreia do Sul e Índia, estão mudando mais rápido do que conseguimos mudar, os presságios são de crise permanente. Para as empresas, significa que o fim se aproxima. A criminalidade institucionalizada no Rio indica o que está vindo. Em tempo de instabilidade, gerir mudanças que se sabem inevitáveis, como a economia descarbonizada, é a prioridade. Crescer é a variável condicionada pelas decisões que tomarmos.
A síntese para a abundância
O que, como e com quem fazer as mudanças? A pergunta é recorrente. A resposta talvez esteja no mistério da terceira via, representação eleitoral do centro político, não ter se viabilizado como opção ao extremismo de direita de Bolsonaro e à socialdemocracia de Lula.
O centro migrou da esquerda socialdemocrata simbolizada pelo PSDB para a direita neoliberal, ao passar a defender mais o liberalismo de mercado, abarcando até setores retrógrados da economia, que as demandas sociais atendidas pela reforma monetária de 1994, ainda hoje a mudança mais impactante para os pobres, e os governos FHC.
Ao não conseguir se reinventar, acompanhando tanto a transformação impulsionada pelas inovações tecnológicas (tipo redes sociais) como as culturais, o centro deixou de representar a esperança e permitiu ao revanchismo de direita capturar um largo naco desse segmento.
Lula, enquanto mais lulismo que PT, desponta como a opção que já foi representada pelo PSDB de Mário Covas, de Franco Montoro e de FHC, a um ponto em que, no início de 2003, ainda havia conversas para unir o tucanato à base de apoio petista no Congresso. Geraldo Alckmin, como vice de Lula, é parte dessa relação jamais consumada.
Antes, como agora, faltou o mapa do caminho iniciado nos anos 1950 e interrompido pela moratória da dívida externa em 1987 que faria o Brasil ser potência regional, no sonho dos militares, ou um país com economia pujante e equidade social, na visão dos democratas. A síntese se dá com desenvolvimento — construir mais riquezas, educar melhor, gerar mais empregos, criar abundância. É tempo de fazermos.
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