Pelas razões mais que evidentes, bastando citar o atrevimento das últimas votações na Câmara pilotadas por lobbies obscuros, é tempo de a porção lúcida do país se preocupar com a reconstrução depois das eleições. O cenário econômico e social é devastador, ao que se adicionam mudanças profundas na geopolítica e nas cadeias globais de produção sem que estejamos preparados em todas essas dimensões.
Algumas premissas se fazem necessárias para evitar o naufrágio dos próximos governo federal e parlamento, que será rápida, talvez com sinais já no primeiro semestre de 2023, se persistir o fetiche de que o setor público, vulgo Estado, é um fardo para o cidadão.
A administração pública é que é fraca e onde não há governança que se respeite as partes se desconectam da nave mãe, representada pelo presidente de turno, e passam a perseguir seus próprios interesses.
Féria-prêmio, gratificações por quinquênio, seguro saúde sem ônus, auxílio moradia mesmo com casa própria no local de trabalho são os exemplos recorrentes. E o que é grave: advocacia administrativa em favor de interesses privados e licitações viciadas. Olhando-se de perto os casos de corrupção nos governos petistas, verifica-se que sério foi a governança falha e inepta, implicando desvios que a Lava Jato politizou para inabilitar a volta de Lula em 2018.
Outra premissa é mais pragmatismo na formulação da macroeconomia e das políticas públicas em geral. Excesso de ortodoxia econômica, em geral refletindo o consenso oportunístico dos gestores de carteiras de papéis do Tesouro, os tais dos farialimers, pôs o crescimento econômico de quatro — miserável 0,7% em média entre 2011 e 2020 — e tornou o desenvolvimento expressão maldita, além de "cancelar" do debate todas as vozes discordantes.
O candidato a presidente que quiser ser levado a sério nesta nova configuração em curso no mundo, com inovações tecnológicas que tornam obsoletos o motor a combustão e, na sequência, a produção de petróleo para fins de mobilidade e de geração de energia, a rede de agências de bancos migrando para o celular, só para citarmos alguns exemplos de disrupção, não tem de pedir aprovação dos farialimers, como em 2002. É com os empresários da indústria que deve dialogar.
Fim das reformas isoladas
Meta de verdade é a necessidade da volta do crescimento já em 2023 de 2% em 12 meses, no mínimo, tendendo a 3,5% nos anos seguintes. Ou a economia se expande ou seguirá o que se sabe: perdendo PIB potencial, que no caso da indústria de transformação acontece desde os anos 1980. Isso significa que estamos tendo menos produção para atender as necessidades crescentes de consumo e as exportações.
Apenas o agronegócio e a mineração têm saldo líquido exportador, o que, embora ajude a manter a solvência das contas externas, não tem impacto na geração de empregos, pois é intensivo em capital, nem na arrecadação de impostos, já que é pouco tributado. O agro tem carga tributária de apenas 10%, enquanto a da manufatura, que representa 11% do PIB, chega a 28% e passa de 32% sem os gêneros alimentícios.
Tais distorções se resolvem com reforma que substitua os gravames indiretos pelo Imposto de Valor Adicionado e atualize o Imposto de Renda, tudo junto, não fatiado, como se discute no Congresso. E não faz sentido discuti-la como reforma isolada de suas consequências.
A prioridade é a retomada do crescimento, que não virá de reformas solitárias, tipo primeiro a trabalhista, a da previdência, depois a tributária e das folhas do funcionalismo. Nenhuma delas trouxe nem trará por si o dinamismo econômico. Com boa vontade, servem só para manter a taxa de lucro empresarial em meio à atividade estagnada.
As raízes da selvageria
Mudar impostos e reformar a governança disfuncional do Estado e da federação, causas primárias da produtividade do setor público estar aquém do que deveria ser neste tempo de tecnologia da informação, é parte de um programa de desenvolvimento, não atos de vontade para o crescimento acontecer. Que os neoliberais olhem para os Estados Unidos onde se inspiram para ver que até lá a cultura econômica mudou. Mesmo na Universidade de Chicago, onde estudou o ministro Paulo Guedes.
Uma boa reforma tributária não persegue apenas simplicidade, mas a menor imposição possível vis-à-vis o crescimento da base oferecida à tributação. O crescimento do PIB arrasta a receita fiscal, o que vale dizer que uma reforma condicionada a manter a carga tributária em relação ao PIB será um obstáculo à expansão privada e ao custeio das funções típicas de Estado, como educação e segurança.
Ao ignorar tais pressupostos, Executivo e Congresso se empenham na jornada darwinista que espanta a sociedade capaz de se indignar com tanta miséria e o surto de violência descambando para uma epidemia.
Como? Tirando benefícios sociais, propondo eliminar gratuidade no ensino, testando a paciência com a indecência de privatizar o SUS.
Essas são as raízes da selvageria que atormenta o país, agravada a olhos vistos pela ideia estapafúrdia de armar a população, premiar operações policiais que resultam em chacinas, como a que acabou de acontecer no Rio, ou no Sergipe, onde policiais da PRF puseram um cidadão que sofre de esquizofrenia detido por circular de moto sem capacete no porta malas da viatura e o asfixiaram com gás. Isso foi assassinato, não dano colateral sem intenção. Não dá!
Os desafios à frente são ciclópicos, a ponto de provocar pena, não bem indignação, os empresários que afirmam que o país está hoje melhor que em 2018. Essa gente vive encapsulada numa bolha.
"Em janeiro de 2023", dizem os economistas da FEA-USP Carlos Luque, Simão Silber, Francisco Luna e Roberto Zagha em artigo no Valor, "o novo governo herdará uma tripla crise econômica", com PIB per capita 10% abaixo do de 2013, inflação acima da meta central, desemprego de dois dígitos e ambiente internacional ameaçador. A segunda crise é estrutural, com a economia estagnada há 40 anos.
A terceira é a crise das ideias econômicas. Elas é que levaram a essa situação. "A situação que vivemos não resultou do acaso ou da má sorte, mas das convicções e das políticas econômicas que guiaram a economia." Superar tais infortúnios, eles dizem, exige reconstruir o setor industrial e sua capacidade de exportação. Isso é o básico, já que muito mais precisa ser feito — o trabalho em campo dos economistas, consultores e empresários que se dedicam na Fiesp de Josué Gomes da Silva a construir um novo paradigma.
O Brasil tem jeito. Não tem é tempo para os demagogos, populistas, os farsantes salvacionistas e pilantras em geral, que são muitos.