Apesar de a maioria dos montantes dedicados ao setor da infraestrutura ser realizado pela iniciativa privada, o volume ainda está muito aquém do necessário para preservar os ativos existentes, de acordo com dados da Inter.B. O levantamento da consultoria especializada no setor de infraestrutura estima que a modernização nacional demandará, pelo menos, um gasto anual de 3,64% do Produto Interno Bruto (PIB) durante duas décadas.
Mas, neste ano, os investimentos não devem passar de 1,71% do PIB, menos do que os 1,73% realizados no ano passado e menos da metade dos 3,64% necessários para manter a estrutura atual. Desse total, 1,14% do PIB serão provenientes do setor privado e 0,57%, do setor público.
No caso dos investimentos em aeroportos, a queda deverá ser maior ainda. Dos R$ 151 bilhões de investimentos previstos em infraestrutura neste ano pela Inter.B, somente 1%, o equivalente a R$ 1 bilhão, deve ser investido em aeroportos. Esse montante equivale a menos da metade dos R$ 2,7 bilhões aplicados em 2019 pelos setores público e privado.
De acordo com Claudio Frischtak, sócio fundador da Inter.B, o principal problema dos primeiros leilões de privatização durante o governo Dilma foi a modelagem, que acabou provocando as devoluções de três aeroportos — Galeão (RJ), Viracopos (SP) e São Gonçalo do Amarante (RN).
“A experiência foi muito ruim, porque fizeram um modelo colocando a Infraero como sócia minoritária de todos os consórcios, o que afastava empresas de capital aberto”, explica. Contudo, ele destaca que a nova modelagem acabou atraindo mais investidores e, no geral, o processo de privatização tem um saldo positivo.
Os dados da Inter.B indicam que os 3,64% seriam o mínimo necessário para ensejar um processo de modernização ao longo das próximas duas décadas, supondo um potencial de crescimento real na média de 1% para os próximos 20 anos. Se essa taxa fosse maior — de, ao menos, 2% — as necessidades de investimento chegariam a 4,2% do PIB. Segundo Frischtak, diante de tantas incertezas na economia, é provável que o total de investimentos neste ano, de 1,71%, fique abaixo das estimativas previstas pela consultoria.
“Estamos vivendo um grau de incerteza macroeconômica, e a questão fiscal, hoje, representa uma das grandes fragilidades do país. Entramos na pandemia muito frágeis e vamos sair ainda mais debilitados. Essa incerteza fiscal e a falta de um plano crível que garanta a solvência do país, assim como a insegurança em relação às eleições, afasta o investidor”, afirma.
Pelas estimativas do especialista, cerca de R$ 200 bilhões de investimentos privados poderiam ser realizados em infraestrutura no país se houvesse maior confiança do investidor, mas ela diminuiu devido aos retrocessos, principalmente, na área ambiental.
“Existe uma brecha enorme e esse é o volume que deveríamos investir, mas não estamos investindo, para começo de conversa. E, para mudar esse quadro, o governo precisará parar de dar tiro no pé”, alerta Frischtak, citando os desmatamentos recordes da Amazônia e as recentes polêmicas em relação às questões indígenas. “Parece que as autoridades não estão entendendo o que está acontecendo no mundo”, destaca.
Conforme o levantamento da Inter.B, na última década, a participação do setor público no estoque de investimentos em infraestrutura passaram de 57,3%, em 2010, para o piso histórico de 30,9%, em 2020. No ano passado, houve crescimento desse percentual, para 34,1%, mas o dado deve recuar para 33,6%, neste ano.
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QUATRO PERGUNTAS
Para Fábio Rogério Carvalho, CEO da Associação Nacional das Empresas Administradoras de Aeroportos (Aneaa)
É inegável a melhora dos serviços com as privatizações dos aeroportos. Qual a sua avaliação sobre as novas concessões programadas?
O setor aeroportuário brasileiro é, seguramente, o que passou pela maior transformação nos últimos 10 anos, a partir do processo das concessões à iniciativa privada. A gestão privada mostrou-se absolutamente eficaz em responder às demandas que lhe foram apresentadas às épocas dos grandes eventos, e trouxe os aeroportos brasileiros para um nível de qualidade elevado, inclusive nos padrões internacionais.
A pandemia trouxe lições à regulação e, atualmente, os novos contratos de concessão de rodovias já possuem mecanismos para o compartilhamento de riscos de demanda. É juridicamente possível que os futuros contratos ou atuais, a partir de um processo dialogado e conjunto, possam convergir para um modelo que mitigue esse risco.
Mas é possível quantificar os investimentos realizados e programados pelas empresas privadas? Quanto?
Os investimentos nos aeroportos são definidos pelo contrato de concessão e fiscalizados pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). Nos últimos 10 anos, as concessionárias investiram mais de R$ 12 bilhões para ampliar a qualidade dos aeroportos e, consequentemente, promover melhorias no atendimento aos usuários do transporte aéreo no Brasil. Os novos leilões estimam ainda a contratação de mais de R$ 11 bilhões para os próximos anos, garantindo que o Brasil tenha segurança e disponibilidade de aeroportos capazes de atender a evolução esperada para o setor.
Como houve três devoluções de aeroportos, o senhor avalia que isso pode ser uma tendência ou foram pontos fora da curva? Quais os problemas, na sua avaliação?
A devolução é um mecanismo previsto em lei para permitir uma saída amigável de encerramento do contrato. O seu funcionamento depende de boa-fé e interesse mútuo na resolução de problemas que tornaram o contrato insustentável. Essa dinâmica precisa ser compreendida por todos os responsáveis pelo processo, desde a formulação do pleito e, de modo especial, na avaliação isenta dos investimentos não amortizados. Em suma, é um processo de resolução de um problema e assim deve ser entendido e priorizado.
O setor aéreo foi um dos mais afetados com a pandemia. É possível vislumbrar uma retomada?
O setor aéreo foi e é o mais impactado pelos efeitos da pandemia. A manutenção dos contratos de sua sustentabilidade financeira não é uma questão meramente econômico-financeira, é mais do que isso: uma questão de permanência e aproveitamento dos investimentos realizados, que possam garantir a capacidade de manter a oferta dos serviços no nível de excelência que hoje experimentamos.
É de se reconhecer a importância e velocidade de reação do governo e da Anac na atuação preliminar para mitigação dos efeitos econômicos, no entanto, é preciso evoluir com coragem e em outras matérias que impactam o caixa das companhias e precisam e merecem ser enfrentados como o reequilíbrio de longo prazo, a reprogramação de obrigações, entre outros que precisam ser tratados e resolvidos com o poder público.