A Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia estima que 100 mil famílias da Grande São Paulo devem utilizar o saque emergencial do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para pagar dívidas em atraso.
O levantamento tem como base pesquisa da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomércioSP) para a Grande São Paulo, onde existem cerca de 900 mil famílias endividadas, segundo a SPE, que não fez uma estimativa para o resto do país.
Desde 20 de abril até 15 de junho, os trabalhadores com recursos no FGTS, poderão realizar o saque extraordinário de R$ 1 mil. O Ministério da Economia estima que 42,9 milhões de beneficiários potenciais possuem conta do Fundo. Essas pessoas deverão sacar R$ 30 bilhões dos R$ 130 bilhões estimados pela pasta em valores de “liquidez do FGTS”. O dinheiro deve ajudar a reduzir em 10% a 13% das contas em atraso na grande São Paulo, conforme estimativa da SPE, divulgada nesta quinta-feira (5/5), em nota técnica.
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Compra de alimentos
O chefe da SPE, Pedro Calhman, no entanto, reconheceu que uma parte desses R$ 30 bilhões que devem ser sacados do FGTS pode ser utilizada pelas famílias para consumo, como a compra de alimentos, o que, indiretamente, poderá ajudar a elevar a inflação, que já acumula alta acima de 12% na prévia do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de abril. Mas a secretaria não fez estimativas do impacto dessa medida, tanto no PIB quanto na inflação.
“Essa medida não tem impacto fiscal, é uma medida do lado da oferta, buscando a melhor utilização dos recursos do FGTS para os trabalhadores”, afirmou Calhman.
De acordo com os dados da SPE, dos 42,9 milhões de trabalhadores que possuem contas no FGTS, a maioria — 19,6 milhões — possui até R$ 1 mil de saldo no FGTS. Outros 13,6 milhões de cotistas têm de R$ 1 mil a R$ 5 mil na conta. Além disso, 7,3 milhões possuem saldo entre R$ 5 mil e R$ 20 mil e, por último, 2,4 milhões de pessoas têm mais de R$ 20 mil na conta do Fundo.
Os R$ 30 bilhões previstos para novo Saque Emergencial e que devem ser injetados na economia equivalem a 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB) nominal estimado pela SPE, de R$ 9,6 trilhões para este ano.
Dívidas atrasadas
O secretário evitou comentar dados precisos do impacto desse saque na economia, mas reforçou que a expectativa do governo é de que a maior parte desses recursos seja destinada ao pagamento de dívidas atrasadas. Ele admitiu, contudo, que uma parte desses recursos também pode ser utilizada no consumo, já que o endividamento das famílias bate recorde mês a mês.
Conforme dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o endividamento atingiu 77,7% em março, o maior patamar da história. Na nota, a SPE cita dos dados do Banco Central que mostram que, em dezembro de 2021, 52,6% das famílias brasileiras estavam endividadas e, nessa base, 27,9% da renda média estava comprometida com o pagamento de dívidas.
Calhman disse, entretanto, que não dá para estimar o quanto desse montante será destinado para o pagamento de dívidas atrasadas e quanto pode se transformar em consumo. “O foco dessa medida é liberar recursos para uma parcela das famílias que estão com o balanço prejudicado e, assim, fazer com que elas tenham condições para o pagamento da dívida. O principal impacto é a redução da dívida”, afirmou o secretário, a jornalistas, durante a apresentação de nota técnica sobre o saque emergencial.
Um saque por trabalhador
Na avaliação do economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, o saque emergencial do FGTS não terá muito efeito no consumo. “Dado o tamanho da dívida das famílias é mais provável que paguem atrasados e usem o resto para o básico, como alimentos”, afirmou. Para ele, o efeito dessa medida na inflação “não deverá ser relevante”.
“Câmbio e commodities ainda vão ser pontos importantes”, alertou Vale, que prevê alta de 7,8% no IPCA deste ano, bem acima dos 6,5% estimados pela SPE e que constam no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2023.
Cada trabalhador terá direito a apenas um saque extraordinário do FGTS, independente do valor disponível no Fundo ou do número de contas ativas ou inativas. Segundo Calhman, a medida busca melhorar a alocação dos recursos do trabalhador que tem boa parte da renda comprometida com o pagamento de dívidas ou contas em atraso, a juros elevados.
“Essa medida terá importante papel no apoio à mitigação dos impactos econômicos causados pela pandemia da covid-19”, destacou o documento da SPE. “A liberação de recursos do FGTS poderá contribuir para a redução dos aspectos mais negativos do endividamento, como o elevado comprometimento da renda das famílias com o pagamento de dívidas e o acúmulo de contas em atraso”, acrescentou a nota.
De acordo com o Calhman, o valor de R$ 1 mil para o saque extraordinário foi fixado de forma para não comprometer financeiramente o FGTS, e, com isso, não haverá comprometimento das demais alternativas regulares de saque (saque aniversário, saque rescisão, para compra de imóvel, etc.), “além de não reduzir as operações de apoio do Fundo aos setores de habitação, saneamento e infraestrutura”.
Procurada, a Caixa Econômica Federal informou que disponibilizará o balanço dos saques emergenciais apenas após o fim do prazo. No último balancete disponível do FGTS, de novembro de 2021, o patrimônio líquido era de R$ 105 bilhões.