BANCO CENTRAL

Diretor do BC alerta para impacto de juros na economia do 2º semestre

Diretor de Política Monetária, Bruno Serra Fernandes, reconhece que os impactos negativos das sucessivas altas da Selic devem começar a serem sentidos a partir da 2ª metade do ano

Rosana Hessel
postado em 16/05/2022 13:43 / atualizado em 16/05/2022 18:20
 (crédito: Reprodução/TVSenado)
(crédito: Reprodução/TVSenado)

A economia brasileira está surpreendendo as projeções pessimistas do mercado neste início de ano com dados melhores do que o esperado, mas o diretor de Política Monetária do Banco Central, Bruno Serra Fernandes, faz um alerta para o segundo semestre de 2022, quando os impactos do ciclo de alta da taxa básica de juros (Selic) serão mais efetivos. Em evento do banco norte-americano Goldman Sachs realizado nesta segunda-feira (16/5), ele lembrou que o aperto monetário na Selic, atualmente em 12,75%, entrou no campo contracionista no fim de 2021 e, como o impacto na atividade demora de seis a nove meses, isso só ocorrerá na segunda metade de 2022.

“O lag da política monetária vai começar a atuar no segundo semestre. A taxa Selic passou para o nível contracionista em novembro de 2021”, destacou Fernandes. “A partir do segundo semestre, a história é outra. Vamos ver a Selic impactando a atividade”, frisou.

O diretor do BC reconheceu que, no curto prazo, o cenário tem se apresentado mais favorável para a atividade no início deste ano, porque há uma expectativa de retomada de serviços que ainda devem acontecer, como os prestados às famílias e a normalização das cadeias de produção, além de uma certa recuperação do mercado de trabalho, com crescimento até do mercado formal e da massa de rendimento em 2021, com a inclusão dos auxílios do governo. “O ciclo de commodities tem ajudado o Brasil com o choque de oferta global e o país acaba tendo um impacto positivo na demanda”, acrescentou.

Preço a pagar

Fernandes ressaltou que a inflação, de modo geral, está incomodando não apenas o brasileiro, mas também os norte-americanos, os europeus e deverá incomodar, em breve, os chineses, e o custo do combate à carestia que não dá trégua é o aumento dos juros. 

“Estamos sendo cobrados para fazer o nosso trabalho, o nosso mandato. E não temos receio de persegui-lo. No momento atual, vemos esse movimento de inflação implícita bem acima do padrão histórico também nos Estados Unidos e na Europa. Todos estão dispostos a pagar um preço maior para ter uma inflação menor”, disse ele, em relação ao aumento de juros global em curso pelos bancos centrais.

O diretor do Banco Central reforçou que o horizonte relevante com o qual o Comitê de Política Monetária (Copom) lida para a meta de inflação é 2023. O centro da meta atual, de 3,5%, já foi ultrapassado pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em abril, que acumulou alta de 4,29% no primeiro quadrimestre. E as estimativas do mercado mostram que o teto da meta deste ano, de 5%, será ultrapassado pelo segundo ano consecutivo e algumas projeções indicam que esse limite em 2023, de 4,75%, também será superado.

Fernandes reconheceu que o desafio do Banco Central será conseguir entregar a inflação dentro da meta e saber calibrar a alta dos juros. “O cenário piorou e foi necessário estender o ciclo. E o tempo dirá se saberemos alongar o período tempo de manutenção do juro alto a fim de ser possível entregar a inflação na meta. Mas ela [a decisão] precisa ser razoável, porque o risco de desaceleração é crescente. E esse é o desafio pela frente”, afirmou.

De acordo com Fernandes, em termos de política monetária, é preferível trabalhar com uma taxa de juros não muito alta, mas no campo contracionista, por um período mais prolongado do que uma estratégia de elevar muito mais a Selic para depois poder baixar no curto prazo. “O ambiente é bastante incerto e a palavra incerteza e a cautela apareceram com muita frequência nos comunicados do Banco Central. A minha preferência é sempre a mesma flutuação da taxa básica, porque uma taxa mais estável por mais tempo é melhor. Mas nem sempre isso é possível”, afirmou.

Ele lembrou que, na última reunião do Copom, a decisão foi de que a nova taxa, de 12,75%, não seria suficiente para manter a inflação mais próxima da meta no horizonte relevante que é 2023, mas deixou pelo menos uma nova alta na Selic no radar. “O Copom não quis arrumar uma desculpa para fazer o ajuste necessário. E se ele for necessário , vai ser feito”, frisou. Segundo ele, até o momento, “o Comitê decidiu pelo processo normal”.

“No início do ano, começou a sinalizar a meta de 2023. E acho que era adequado. Mas, de fato, estamos focados em 2023. E, a partir de agosto, (o Copom) passa a incorporar um peso em 2024. Estamos falando do alongamento do juro alto por mais tempo em vez de cair mais rápido. Essa discussão ainda pode ocorrer, mas o Copom decidiu se pautar pelo horizonte da política monetária padrão”, acrescentou.

 

Otimismo moderado

Ao contrário da equipe liderada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, Fernandes fez uma avaliação otimista moderada para a economia brasileira a longo prazo. Segundo ele, apesar desse cenário mais preocupante a curto prazo, as perspectivas para a economia brasileira são positivas para o futuro.

“Olhando para a economia, com deficit em conta corrente próximo de zero e preços internos alinhados, apesar dessa discussão sobre combustíveis, e com o desemprego, ainda elevado, mas caindo, portanto, o país tem espaço para crescer”, afirmou o diretor do BC, sem dar muitos números.

“Fizemos alguns ajustes, a poupança interna aumentou e todo mundo sabia que o país precisa crescer o investimento privado, mas colocar isso em pé, com marcos regulatórios, não é fácil”, afirmou ele, citando como exemplos marcos legais setoriais aprovados, concessões de infraestrutura e reestruturação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com a introdução da Taxa de Longo Prazo (TLP). “Vamos começar a ver os frutos a partir de agora, como parte da demanda do PIB. Mas não quero tentar ser contra o consenso”, acrescentou.

Ao ser questionado pelo economista-chefe para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, sobre o nível de endividamento elevado das famílias como um problema para esse cenário mais otimista de longo prazo, que pode, inclusive, ajudar a explicar a discrepância entre as projeções de inflação do Banco Central e do mercado, que já estima uma taxa de juro implícita de 6% – patamar bastante mortal para qualquer atividade –, Fernandes, reforçou que a taxa de juros neutra implícita com a qual o BC trabalha é de 3,5% e disse que a discrepância dos dados ocorre de forma mais acentuada por conta das "premissas" do preço de petróleo e derivados, que ainda continua com um spread que “nunca esteve tão descolado”. As projeções atuais do BC para a inflação de 2023 estão entre 3% e 4%. As estimativas do mercado para o IPCA do próximo ano estão acima de 4% e, em alguns casos, acima de 5%.

Agentes financeiros já apostam em, pelo menos, mais duas altas da taxa Selic, que poderá chegar a 14% ao ano a partir de agosto.

 

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