Desde que a equipe econômica enviou o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2023 ao Congresso no último dia 14, analistas não param de fazer alertas sobre os parâmetros fora da realidade e as bombas fiscais armadas, mas pouco divulgadas, que podem chegar a R$ 200 bilhões neste ano e ainda contratar, pelo menos, R$ 152,7 bilhões no ano que vem. Essas medidas vão na contramão do discurso do governo de consolidação fiscal e comprometem tanto o teto de gastos quanto a meta fiscal — que passará de um rombo das contas do governo federal de até R$ 170,5 bilhões para R$ 65,9 bilhões, entre 2022 e 2023. Essas regras em vigor, aliás, estão fragilizadas e mal se sustentam em pé com essa série de armadilhas criadas pelo próprio governo e seus aliados e que serão pagas pelo contribuinte em algum momento.
Levantamento preliminar feito pela economista Juliana Damasceno, especialista em contas públicas da Tendências Consultoria, a pedido do Correio, indica um volume de R$ 196,4 bilhões, ou 2,04% do Produto Interno Bruto (PIB), de bombas fiscais oriundas de medidas já contratadas, como a redução de 25% no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), e outras que estão em discussão ou em tramitação, como o reajuste linear de 5% aos servidores sinalizado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e a ampliação do Refis (programa de refinanciamento de dívidas tributárias). Ver quadro ao lado.
Impacto
"O impacto dessas medidas devem ocorrer ainda em 2022, mas grande parte também poderá ter reflexo em 2023, porque poderão ser prorrogadas", destacou a economista. A certeza, segundo ela, é de que o teto de gastos não se sustenta mais diante dessas despesas, que vão disputar espaço com as emendas parlamentares, os investimentos e as despesas discricionárias (não obrigatórias) do Orçamento, e, se elas ficarem abaixo de R$ 90 bilhões, comprometem o custeio da máquina pública e a prestação de serviços aos cidadãos. "Não há como acomodar mais gastos e o teto está ameaçado", emendou.
O economista Bráulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e analista da LCA Consultores, elencou as principais bombas fiscais que devem pesar no Orçamento de 2023, com impactos negativos tanto no teto de gastos quanto no resultado primário. Juntas, elas somam R$ 152,7 bilhões, dependendo do tamanho do reajuste que Bolsonaro resolver conceder ao funcionalismo.
Conforme os cálculos apresentados pelo secretário especial do Tesouro Nacional e Orçamento, Esteves Colnago, na segunda-feira (18), o custo de um reajuste linear para os servidores do Executivo, seria de R$ 6,3 bilhões, entre julho e dezembro deste ano, e de R$ 12,6 bilhões, no ano que vem. Mas é preciso incluir nessa conta outros R$ 3 bilhões se esse aumento for estendido ao Legislativo e ao Judiciário, o que fará essa conta passar para R$ 15,6 bilhões, acima dos R$ 11,7 bilhões reservados pela equipe econômica para reajustes salariais no PLDO de 2023, que tem parâmetros otimistas, como crescimento de 2,5% no PIB do ano que vem.
Analistas lembram que o Executivo prevê queda de 41,6% nas despesas discricionárias — aquelas que podem ser cortadas —, passando de R$ 131,3 bilhões, ou 1,4%, neste ano, para R$ 76,6 bilhões, ou 0,3% do PIB, em 2025. "O corte nominal nessas despesas é muito elevado e essa é a senha de que o teto de gastos vai ter que ser mudado, mas ninguém está querendo fazer a discussão nesses pontos", destacou Borges. "Os parâmetros macroeconômicos do PLDO de 2023 foram de otimismo para ficção", pontuou Damasceno, da Tendências.
Reajustes
O governo reservou R$ 1,7 bilhão no Orçamento deste ano para os reajustes de policiais, provocando a ira das demais categorias que, agora, não demonstram satisfação com os 5% de reajuste sinalizados pelo Palácio do Planalto. Borges lembrou que a inflação acumulada nos três anos de congelamento dos salários dos servidores é de 20%. Logo um aumento dessa magnitude apenas no Executivo, pelas contas dele, aumentaria a despesa com o funcionalismo em mais R$ 50 bilhões ao ano.
Aliás, essa prioridade de conceder reajuste e reestruturar carreiras colocada pela Economia no PLDO de 2023 provocou estranheza entre técnicos do Congresso que acompanham o Orçamento. "Aumento de salário não é política pública. Não é possível incluir isso como prioridade de gastos no PLDO. Não faz o menor sentido", disse um analista legislativo.
A economista Karina Bugarin, pesquisadora do Laboratório de Economia do Setor Público(LabPub) da Universidade de São Paulo (USP), não poupou críticas às bombas fiscais armadas para este ano e o próximo, e ainda foi categórica em afirmar que o próximo governo precisará fazer uma revisão das atuais regras fiscais. "Não dá para falar em consolidação fiscal nesse cenário", frisou.
"Há uma estimativa de que, somando as pautas bombas sancionadas, em tramitação e em discussão, vamos chegar a quase R$ 200 bilhões, aproximadamente 2% do PIB. Isso seria mais do que quatro vezes o valor do Bolsa Família, antes de sua deformação em Auxílio Brasil. Nesse emaranhado de gastos (diretos e indiretos) não há possibilidade de consolidação fiscal no curto e no longo prazos", afirmou Bugarin. Segundo ela, o próximo presidente terá que revisar massivamente os compromissos fiscais. "Não se trata apenas de furar o teto, mas do quantitativo imenso de regras desconexas que temos junto com a constante expansão de gastos. O nosso passado nos mostra que toda vez que inserimos no Orçamento alguma linha, não conseguimos mais retirar", destacou.
Fora do Radar
Além dos reajustes dos servidores, analistas alertam para duas bombas fiscais que estão fora do radar do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2023, mas devem fazer um estrago e tanto nas contas públicas diante do cobertor curto das despesas discricionárias, de R$ 108,2 bilhões: o Auxílio Brasil e os precatórios acumulados, que, sozinhos, devem somar R$ 87 bilhões e disputar espaço com as polêmicas emendas de relator criadas no governo Jair Bolsonaro (PL) e que, neste ano, somam R$ 16,5 bilhões.
Pelos cálculos do economista Bráulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e analista da LCA Consultores, apenas as dívidas judiciais antigas, que foram pedaladas para este ano e os próximos, devem somar R$ 45 bilhões em 2023, sem contar multas e correções, além das novas que ainda não foram listadas pelo Judiciário. Segundo ele, será preciso ainda incluir no Orçamento R$ 42 bilhões para complementar o Auxílio Brasil — programa que substituiu o Bolsa Família — para chegar aos R$ 400 que estão sendo pagos neste ano. "O custo anual desse novo programa é de R$ 84 bilhões e, para estender o valor, será preciso fazer um Orçamento furando o teto no ano que vem", alertou. Conforme estimativas de Juliana Damasceno, da Tendências Consultoria, sem o complemento do benefício, as famílias cadastradas no programa devem voltar a receber um benefício médio mensal de R$ 218.
Riscos
Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, reforçou que "os ajustes fiscais" de 2021 citados pelo governo ocorreram apenas do lado arrecadação, que cresceu muito por conta da inflação elevada e de receitas extraordinárias, como royalties do petróleo e dividendos de estatais, que foram recordes. "Elencar as bombas fiscais é necessário para entender o tamanho do buraco nas contas públicas que está sendo aberto em pleno ano eleitoral. Está parecendo que o governo partiu para um vale tudo e está colocando a Lei de Responsabilidade Fiscal no lixo", alertou Agostini, lembrando que, em 2014, as consequências de medidas parecidas resultaram na recessão de 2015 e 2016 e, nos últimos anos, o teto de gastos ajudou a limitar a farra com dinheiro público.
De acordo com a economista Vilma da Conceição Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, há novos riscos de perda da credibilidade do teto de gastos, além das três alterações constitucionais na regra feitas em 2021: o gatilho, a limitação dos precatórios e a troca de metologia. "Com as mudanças nos precatórios e o novo indexador da regra, o teto foi ampliado em R$ 113,1 bilhões, mas isso não quer dizer que o governo conseguirá aumentar despesas (neste ano) além do que alocou no Orçamento", destacou. "Temos que levar em consideração que o teto de gastos, que foi criado no finalzinho de 2016, funcionou, de certa forma, como principal âncora das contas públicas desde então", acrescentou.