A intensa disputa entre os presidenciáveis nos últimos dias de nada serviu para orientar o eleitor sobre os planos de governo de cada um. Focadas neles próprios, não em programas, a campanha eleitoral ainda informal parece mais uma disputa entre narcisistas por likes no Instagram que um confronto de visões sobre os rumos do país.
Pessoas, a rigor, não são relevantes no processo político e, sim, o que elas representam em termos de porções da sociedade e a forma de gerir o aparelho de Estado, influenciar movimentos da economia e buscar o máximo de bem-estar com segurança para a população. Qual a proposta dos candidatos a cargos eletivos quanto a esses assuntos?
Uma premissa para a tentativa de resposta à indagação deveria ser consensual: como está não pode nem deve ficar. A economia vem de longe estagnada, a indústria perde posição relativa tanto no mundo, quanto no Produto Interno Bruto (PIB) nacional há 40 anos batidos, agravado nesta década pelo ritmo das transformações tecnológicas. Elas vão expelir de cena os grupos acomodados e impor novos modelos de negócios. A guerra na Ucrânia veio exacerbar tais tendências.
Compreender esse cenário não é questão de ideologia nem de parti pris pelos componentes do produto econômico, tipo agropecuária versus indústria, ou serviços (comércio, atividades financeiras, entretenimento, cuidados pessoais etc.) versus pouca ou nenhuma produção local de bens intensivos em tecnologia (carro elétrico, eletroeletrônicos, equipamentos de robótica etc.). Que fazer?
O liberalismo aplicado à economia tende a minimizar a importância da indústria, contrariando evidências históricas que começam a ser reconhecidas nos EUA, o país mais prejudicado depois do Brasil pela transferência da prioridade produtiva para outros mercados, China em especial, nas últimas décadas.
"Desenvolvimento econômico e desenvolvimento industrial caminham juntos, como indica a história dos países avançados", segundo uma densa apresentação do economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida no Iedi, think tank da indústria. "As inter-relações da indústria com outros setores são tantas e tão profundas, que as linhas divisórias entre indústria moderna e os setores de serviços e agropecuário estão cada vez mais difusas." Trata-se de constatação, não opinião.
Mas fala-se mais da Petrobras que da indústria de semicondutores, sem os quais a vida moderna para de funcionar, e pôs-se a educação sob as asas do obscurantismo religioso (como se vê nas prioridades do Ministério da Educação) e não no ensino técnico e tecnológico.
Indústria explica agonia
Tais assuntos sensibilizam o eleitor? Os políticos profissionais dizem que não. Se estiverem certos, a decadência econômica e social do país seguirá a passos largos. E, se se confirmar, culpem-se eles mesmos, não o eleitorado, que reage ao que lhe é ensinado, contado e digerido pelos líderes políticos e formadores de opinião.
Voltemos à indústria de transformação, sobre a qual economistas da vertente contrária ao planejamento de governo e avessa à política parlamentar na definição das grandes prioridades nacionais chegam a caçoar de sua necessidade. O que acontece ao país com indústria sem dinamismo tecnológico e crescentemente importadora das partes mais sofisticadas? A economia encolhe e não gera empregos de qualidade.
A indústria tem um multiplicador de atividade de 2,14 vezes contra 1,46 de serviços e 1,67 da agropecuária. O emprego na indústria é majoritariamente formal, 64%, contra 41% na média do setor privado.
O salário é 10% superior à média do setor privado (30% maior entre empregados com ensino superior). Contribui com 27% da arrecadação de impostos, o triplo de sua participação no PIB.
Tais números explicam a agonia do crescimento econômico do país. A fatia da indústria de transformação (que exclui o setor extrativo) despencou de 20% do PIB em 1980 para 11,3% em 2020, com viés de queda. Sua desaceleração coincide com a desimportância gradativa da economia. O PIB cresceu ao ritmo de 7,4% ao ano entre 1948 e 1980. Desde então, sua taxa média anual é de 2%. Hoje, é muito menos.
Dúvidas de Campos Neto
O declínio relativo da importância da indústria para a dinâmica do crescimento econômica não é um fenômeno apenas brasileiro, mas aqui foi e continua sendo muito mais intenso, como diz Gomes de Almeida.
"Em 1973, a manufatura global respondia por 16,2% do PIB mundial e, em 2020, por 16,6%. Mesmo tirando a China, o declínio foi menos acentuado: de 16,3% em 1973 para 14%", diz ele. A indústria mais que dobrou de tamanho em 40 anos até 2020 nos EUA. Cresceu 47 vezes na China. No Brasil, pífios 20%. A expressão do parque industrial brasileiro no mundo recuou do 10º lugar em 2005 para 14% em 2020.
As relações comparativas são sempre desfavoráveis para o Brasil. A nossa produtividade total equivalia a 46% da dos EUA em 1980 e 25% em 2021. No ranking mundial das exportações, caímos de 26º maior exportador de manufaturados, com 0,85% do total, para 35º (0,43%).
Tais números e relações ajudam a esclarecer as razões de o Brasil crescer menos após as reformas econômicas, como o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse, no domingo passado, no programa Canal Livre. Há uma década, as pesquisas do BC junto ao mercado apontavam crescimento médio de longo prazo de 2% a 2,5% ao ano, algo já baixo, segundo ele, para um país emergente. Agora, a projeção de crescimento de longo prazo é de 1% a 1,5%.
"Quando enumeravam as razões apontadas para o baixo crescimento, lá em 2014, vinha que precisávamos de reforma da previdência, tributária, trabalhista, uma lei de eficiência econômica, outra para o mercado de gás, precisávamos de infraestrutura", disse. "Se eu fizer uma lista de 20 itens do que precisávamos e for ver o que foi feito, temos que boa parte da lista foi endereçada. A projeção tinha que melhorar, subir, mas caiu."
Campanha de clichês
As dúvidas de Campos Neto, que "teve coragem de dizer a verdade e quebrar com o consenso esmagador do mercado financeiro", segundo o sócio da gestora de ativos WHG e ex-diretor do BC, Tony Volpon, são temas para uma campanha eleitoral de qualidade. Mas, com certeza, não serão discutidas por ninguém — talvez, entre alguns desaforos, por Ciro Gomes, único presidenciável a questionar o saber convencional.
O tema importa ao cotidiano das pessoas, mas os candidatos, quando não estão se estranhando uns com os outros dentro do mesmo campo político (João Doria, Eduardo Leite, Sergio Moro, Simone Tebet), se apegam a clichês radicais, como a suposta ameaça comunista bradada por Bolsonaro. Como ex-operário fabril, Lula poderia ser muito mais propositivo que os demais, mas também se apegou à retórica fácil.
E assim vamos... para onde? Tirem suas conclusões...