Os impactos do mercado ilegal do cigarro no Brasil vão muito além das perdas econômicas e atingem em cheio o sistema de saúde. O contrabando, por exemplo, que é um braço estratégico do crime organizado, ajuda a financiar outras ilegalidades e está diretamente relacionado ao aumento de consumo de cigarros no país, prejudicando a política nacional de combate ao tabagismo. Dados do Ministério da Saúde apontam que, incluídos todos os gastos com doenças provocadas pelo fumo — legal e ilegal —, o país perde mais de R$ 100 bilhões por ano. São gastos, anualmente, R$ 120 bilhões com medicamentos e tratamentos e a arrecadação de impostos sobre cigarros não chega a R$ 13 bilhões, conforme afirmam especialistas que participaram ontem do Correio Talks Live, com o tema Contrabando de cigarros há 32 anos no Brasil: há solução?, em parceria com a ACT Promoção de Saúde.
A venda ilegal de cigarros reduz os preços médios do produto em cerca de 4% e é responsável por aumentar o consumo em 2%, o que se traduz em cerca de 164 mil mortes prematuras por ano, como afirmou o Banco Mundial, em 2019. O contrabando de cigarros se torna ainda mais problemático já que pesquisas realizadas no Brasil por diferentes instituições de referência no assunto na última década indicam que o uso de tabaco ocupa o segundo lugar no ranking de drogas mais experimentadas no país. O quadro ainda é mais dramático, porque o preço mínimo do maço de cigarro está congelado em R$ 5 desde 2016, apesar de todos os produtos terem, inclusive alimentos, ficado mais caros. A distorção é tamanha que, atualmente, os preços do fumo nos mercados ilegal e legal são praticamente os mesmos.
A idade média de experimentação de tabaco entre os jovens brasileiros é de 16 anos de idade, tanto para meninos quanto para meninas, mas crianças de 8 anos já tiveram acesso ao tabaco. Nacionalmente, a frequência de fumantes jovens do sexo masculino tende a ser maior do que a do feminino. Para a médica e ex-secretária executiva da Comissão Nacional de Controle do Tabaco, Tânia Cavalcante, o problema ameaça o sucesso da Política Nacional de Controle de Tabaco (PNCT). "Os baixos preços dos cigarros ilegais reduzem o efeito das medidas para prevenir a iniciação de jovens ao tabagismo e para estimular a cessação de fumar nas populações de menor renda e escolaridade", lamenta.
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Origem
Para tentar encontrar uma solução, é preciso entender a causa. Entre os especialistas ouvidos no debate, um consenso: a origem do contrabando de cigarros no país não está no aumento dos impostos sobre o produto, mas na falta de ação do Estado e no forte lobby dos produtores de tabaco. Segundo Jorge Rachid, ex-secretário da Receita Federal, o Brasil tem uma boa legislação contra contrabando, contudo, é preciso um movimento mais coordenado do Fisco, da Polícia Federal e do Itamaraty.
No entender de Roberto Iglesias, especialista em mercado ilegal do tabaco e ex-diretor do Banco Mundial no Brasil, o negócio ilícito de cigarros surgiu nos anos de 1990 e não decorreu da alta de tributos. "Foi resultado de um aumento de preços feitos pelas empresas no Brasil e pela acumulação ativa de estoques de cigarros brasileiros, argentinos e uruguaios no Paraguai. Com esse estoque, criou-se um negócio ilegal com produtos baratos e com uma rede de distribuição ilegal no Brasil", lembra.
Como a maior parte dos cigarros contrabandeados no Brasil vem do Paraguai, os especialistas defendem que a solução do problema deve ser encontrada em conjunto com outros países do bloco econômico Mercado Comum do Sul (Mercosul). "Devemos tirar o foco de que o problema são os altos impostos e mirar nos atores relevantes e na solução diplomática. Isso implica diálogo, negociação e busca de cooperação com o Paraguai", indica Iglesias.
O preço mínimo para a venda do produto estabelecido em legislação também pode desempenhar papel importante no combate a essa prática. É o que aponta uma pesquisa realizada pela Universidade Católica de Brasília (UCB) em parceria com a Universidade de Illinois (UIC-EUA), que indica que um aumento de 10% no preço do cigarro reduziria a demanda em cerca de 5%. "Esse valor mínimo é interessante para evitar iniciação ao fumo e reduzir o consumo de cigarro pelas classes menos favorecidas", ressalta o professor José Angelo Divino. Na Austrália, o março de cigarro custa mais de R$ 100, assim como na Nova Zelândia.
Apreensões
Enquanto o país não encontra uma solução adequada, apreensões de cigarros ilegais continuam sendo feitas pela Receita Federal, que, somente nos dois primeiros meses deste ano, recolheu 18.755.834 maços do produto. No ano passado, de cada 100 maços de cigarros vendidos no país, 48 eram fruto de contrabando.
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