A taxa de desemprego recuou, mas a renda do trabalhador não para de encolher em um cenário de piora das condições contratuais e de inflação persistente, que corrói o poder de compra da população. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados ontem, o rendimento dos trabalhadores brasileiros recuou 8,8% no trimestre encerrado em fevereiro, na comparação com o mesmo intervalo de 2021, passando de R$ 2.752 para R$ 2.511.
"A queda da renda é resultado principalmente de uma alta da inflação com mercado de trabalho desaquecido", destacou o economista Daniel Duque, pesquisador do Instituto Brasileiro Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Vale lembrar que a inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), tem ficado acima de 10% desde setembro de 2021, e não dá sinais de arrefecimento.
O índice de desocupação no trimestre móvel foi de 11,2%, índice 0,4 ponto percentual abaixo da taxa registrada nos três meses encerrados em novembro, de 11,6%, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua divulgada pelo IBGE. Esse é o menor percentual para o período desde 2016, quando o desemprego estava em 10,3%.
O dado ficou estável em relação ao trimestre encerrado em janeiro, de 11,2%, mas abaixo das expectativas do mercado, que esperava uma taxa maior, de 11,4%. Mas, na comparação com o mesmo intervalo de 2021, quando a taxa estava em 14,6%, a queda foi de 3,4 pontos percentuais.
Apesar desse recuo, analistas chamam a atenção para o número de desempregados, que continua elevado e somou 12 milhões de pessoas no trimestre encerrado em fevereiro. Para eles, em um ano eleitoral e com perspectivas de baixo crescimento, se houver, na economia, a tendência é de que o desemprego continue elevado ao longo de 2022.
"A taxa ainda é elevada, mas com uma desaceleração importante por conta de serviços, especialmente. Há uma retomada na saída da pandemia mais consistente agora. O negativo ainda é a renda por causa da inflação, mas isso não melhora muito com uma inflação de quase 8% no fim deste ano", destacou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. "De qualquer maneira, a queda do desemprego deve ser lenta a partir de agora, com os efeitos acumulados de juros e inflação impactando emprego e renda", acrescentou. Ele prevê que, ao longo deste ano, a taxa média da taxa de desemprego deverá ficar em 11%.
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Precarização
Arnaldo Lima, diretor de Estratégias Públicas do Grupo Mongeral Aegon (MAG), lembrou que, apesar da queda do desemprego na comparação anual, a queda pela 11ª vez consecutiva no rendimento do trabalhador é preocupante, assim como a piora na qualidade dos vínculos trabalhistas, sobretudo, quando se considera a proteção previdenciária.
"O percentual de pessoas contribuintes de instituto de previdência em qualquer trabalho caiu de 66,5% no segundo trimestre de 2020 para 62,8% da população ocupada na última leitura da pesquisa. Ou seja, mais de 4 milhões de trabalhadores ocupados perderam, nesse período, proteção contra os riscos de morte e invalidez e estão diminuindo sua longevidade financeira, pois estão deixando de poupar para ter um futuro seguro", lamentou Lima.
Aliás, a precarização do mercado de trabalho é evidenciada pelo crescimento de trabalhadores com conta própria. Na comparação com os trimestres encerrados em fevereiro de 2021 e 2022, houve aumento de 2,007 milhões desse tipo de empreendedor, totalizando 25,353 milhões. Apesar da queda em relação aos 25,841 milhões contabilizados entre setembro e novembro de 2021, o dado de fevereiro é o maior da série histórica para o período, segundo o IBGE.
Enquanto isso, o volume de funcionários do setor privado sem carteira assinada, excluindo o trabalhador doméstico, aumentou 15,72%. Passou de 10,612 milhões, em 2021, para 12,281 milhões, em 2022. Já o montante de pessoas trabalhando com carteira assinada, na mesma base de comparação, avançou 9,43%, passando de 31,612 milhões para 34,596 milhões.
Diante desse cenário, Eduardo Vilarim, economista do Banco Original, lembrou que o aumento do número de pessoas trabalhando por conta própria é um retrato de momentos de crise, porque as pessoas tentam buscar alguma renda para sobrevivência em um cenário de economia recessiva, como ocorreu em 2015 e 2016. "O crescimento do número de pessoas trabalhando por conta própria é uma espécie de empreendedorismo forçado, para garantir uma renda, que está encolhendo", explicou. "Esse quadro é totalmente diferente do que ocorre nos Estados Unidos, onde a força de trabalho está mais contida e os salários estão subindo", comparou.
Apesar desses dados preocupantes, Vilarim destacou o aumento no número de empregadores e a estabilidade da taxa de desemprego como fatores positivos dos dados da Pnad neste início de ano. Conforme os números do IBGE, o total de empreendedores passou de 3,782 milhões, no trimestre encerrado em fevereiro de 2021, para 4,068 milhões no mesmo intervalo deste ano. Esse aumento, segundo o economista do Original, ajudou a evitar que a queda na renda média dos trabalhadores fosse menor. "A volta dos empregadores é a que mais demora a responder, mas são aqueles que costumam ter as maiores remunerações", acrescentou.
De acordo com os dados do IBGE, o contingente de pessoas ocupadas foi estimado em 95,2 milhões, e o total somou 4,7 milhões de pessoas que desistiram de procurar emprego. Analistas reforçaram que, mesmo com a perspectiva de uma maior abertura do comércio e dos serviços por conta do avanço da vacinação no país, a tendência é de uma recuperação lenta do emprego.
"A recuperação do lado da oferta deve permanecer nos próximos meses, mas em um ritmo mais gradual, dado que a normalização do choque pandêmico deve estar chegando ao fim", informou o relatório do Credit Suisse divulgado após os dados do IBGE. "Por outro lado, as condições financeiras mais apertadas, ou seja, juros futuros mais altos e aumento do prêmio de risco, inflação mais alta e maior incerteza econômica e política devem reduzir a demanda doméstica e afetar a recuperação do mercado de trabalho, principalmente, no mercado formal", destacaram os economistas Solange Srour, Lucas Vilela, Rafael Castilho, signatários do documento.
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