O problema financeiro fundamental do setor público brasileiro nos últimos anos se refere à disparada dos gastos previdenciários dos regimes próprios de servidores, especialmente nos entes subnacionais. Como ninguém aceita perdas de participação das suas parcelas nos orçamentos públicos (sem falar que é cada vez mais difícil aumentar a arrecadação de tributos e/ou a dívida pública), isso tem levado a uma redução expressiva do espaço destinado a investimentos em infraestrutura, por ser esse o item onde a resistência política a cortes compensatórios de gastos é menos intensa. Só que, como é alta a correlação entre gastos de investimento em infraestrutura e crescimento do PIB e do emprego, ao fim e ao cabo são as oportunidades de emprego que não se materializam quem paga a conta da disparada previdenciária.
A subida dos déficits e a redução do espaço para investir têm se manifestado de forma intensa na grande maioria dos entes, mas especialmente no caso do meu estado natal, o Piauí. Tanto que, nele, apurei a ocorrência de um aumento real à taxa média de 10,6% nos déficits previdenciários anuais entre 2006 e 2019, algo chocante, pois, enquanto isso, o PIB estadual crescia à média de 3,5% a.a., uma taxa substancial para os atuais padrões do país, mas representando apenas 1/3 da relativa ao déficit. Dessa forma, o valor investido desabaria de R$ 1.804 para R$ 720 milhões, a preços constantes, entre 2009 e 2019, uma queda de 60% entre as duas pontas.
Nada obstante, começando pela aplicação de reforma previdenciária similar à da União, a atual administração piauiense tem mostrado expressivos progressos na arrumação de sua casa financeira visando à abertura de um novo e importante espaço para aumentar seus investimentos, seguindo basicamente o elogiável modelo de ajuste que acaba de ser quase integralmente posto em prática pela prefeitura de São Paulo, enquanto os demais estados têm deixado bastante a desejar na sua atuação nesse tema.
Em resumo, o Piauí, que já havia aumentado para 14% a contribuição dos servidores à Previdência e instituído a chamada previdência complementar obrigatória para os novos servidores que auferissem remuneração acima do teto do INSS, onde o financiamento das aposentadorias e pensões acima do teto fica garantido pelo regime de "contribuição definida", está adicionando o seguinte:
(1) a implantação — já concluída — do mesmo modelo de reforma do sistema de benefícios aprovado pela União para o servidores federais pela EC 103/19, algo que em muitos casos está exigindo um penoso processo de desgaste político, mas, no Piauí, ele se concluiu sem maiores traumas; e
(2) entre outras medidas, a submissão à Assembleia Legislativa, em fase final, de um projeto de lei prevendo: (2.1) a chamada segregação das massas previdenciárias, em dois planos, criando-se, de um lado, um "fundo previdenciário", que já nasce basicamente equilibrado, composto dos servidores que ingressem a partir de uma data recente (incluindo os regidos pela "previdência complementar", acima indicados), e, do outro, um "plano financeiro", em extinção", composto dos demais; e (2.2) a vinculação à previdência dos repasses do Imposto de Renda na Fonte retido dos servidores e das receitas relacionadas com a gestão e venda de imóveis, devendo aprovar, simultaneamente, a securitização ou antecipação das receitas futuras relacionadas com essas fontes, viabilizando sua monetização.
O novo esquema deverá conter uma "transferência dinâmica de vidas", em que, gradativamente e até se extinguir, servidores do plano financeiro são incorporados ao plano previdenciário, mediante o aporte dos ativos que tenham sido identificados pela administração e seu aporte ao fundo previdenciário aprovado pela assembleia. Dessa forma, acelera-se o processo de equacionamento definitivo do velho regime deficitário.
Outra possibilidade de fechamento do processo de equacionamento previdenciário seria a aprovação e implantação de uma alíquota patronal extraordinária calculada para fechar a conta (isto é, zerar os déficits financeiros e atuariais do regime previdenciário em causa), que, contudo, perde sentido, se se chegar a um valor muito elevado que acabe inviabilizando sua aplicação.
Finalmente, tendo à mão um caminho de ajuste, como o que descrevi há pouco, que tem boas chances de ser trilhado satisfatoriamente na prática, concluo apresentando cálculos de estudos atuariais feitos recentemente que sinalizam que: 1) sem qualquer medida de ajuste, um novo aumento real do elevado déficit previdenciário do Piauí o elevaria, entre 2019 e 2030, de R$ 1.585 para R$ 2.196 milhões, implicando crescimento real médio de 3% a.a. entre esses dois anos, praticamente zerando os investimentos na ponta final da série; 2) com as medidas acima citadas, redução do déficit previdenciário para R$ 241 milhões em 2022, ainda que com nova subida para R$ 968 milhões em 2030, implicando, nas mesmas datas, recuperação dos investimentos para R$ 2.064 em 2022, nova queda na sequência, mas encerramento em R$ 1.337 milhões em 2030, algo nada desprezível.