O impacto da guerra no Leste Europeu chegou ao consumidor brasileiro, após o megarreajuste da Petrobras em vigor desde sexta-feira. E tudo indica que a situação vai piorar. O boletim semanal Focus, do Banco Central, apresentou forte deterioração das previsões do mercado, com as perspectivas para o custo de vida cada vez mais desancoradas das metas de inflação. Analistas não descartam mudanças da meta se não houver controle da carestia nos próximos meses.
O boletim semanal Focus, do Banco Central, surpreendeu ontem. Pela nona vez consecutiva, a mediana das estimativas do mercado para a alta do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deste ano foi corrigida para cima. Mas, nesta segunda-feira, disparou de 5,65% para 6,45%. E, para 2023, a mediana das previsões passou de 3,51% para 3,70%, patamar que inspira preocupação.
O consenso entre analistas do mercado é de que o Banco Central não conseguirá entregar o IPCA abaixo do teto determinado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) neste ano. Será um constrangimento para o BC, que precisará admitir o fracasso na política monetária pelo segundo ano consecutivo. O mercado avalia que, devido ao choque nos preços das commodities provocado pela guerra, as pressões inflacionárias são persistentes e indicam que, em 2023, há chances de a inflação também ficar acima da meta.
A meta de inflação deste ano é de 3,5%, com teto de 5% e, no ano que vem, recua para 3,25%, com limite superior de 4,75%. Não à toa, a mediana das projeções do Focus para a taxa básica da economia (Selic), passou de 12,25%, na semana passada, para 12,75% nesta semana. Contudo, analistas reconhecem que os juros ainda podem ficar acima de 13% ou até mesmo chegar a 14%, dependendo dos desdobramentos da guerra no Leste Europeu. Eles ainda admitem que o ciclo de aperto monetário, iniciado pelo BC em março de 2021, deverá ser mais prolongado do que o esperado antes do conflito.
"A forte revisão das previsões para o IPCA tem a ver com a inflação persistente e com os choques de preço no exterior devido à guerra na Ucrânia. Tudo isso está minando as expectativas do mercado. O processo de desancoragem afeta as taxas do custo de vida deste ano e do próximo e vai exigir uma ação mais firme do Banco Central", explica Newton Rosa, economista-chefe da SulAmérica Investimentos.
Ele prevê alta de 1,0 ponto percentual na Selic — consenso das apostas do mercado — e acredita que o Copom deverá deixar em aberto o tamanho dos próximos ajustes do ciclo de aperto monetário. "O BC não deve se comprometer com mais nada e vai passar a agir de acordo com os fatos e os eventos na seara externa", crê o especialista. "Pode haver uma situação do fim do conflito, os preços recuarem, e aí o BC vai ter mais condições de calibrar o ajuste que terá que fazer. No momento, o BC está muito refém dos fatos e não tem como estimar as premissas para a política monetária. Não é possível ter ideia da magnitude dessa confusão em que estamos agora", avalia Rosa. Para ele, uma possível mudança na meta daria um certo fôlego ao BC na condução da política monetária neste ano.
Desancoragem
Na avaliação da economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, por conta dessa desancoragem das previsões das metas de inflação, "o BC vai ter que ser mais duro na política monetária''. "Obviamente, com esse cenário, fica mais desafiador para o Banco Central conseguir cumprir as metas. Por isso, ele deve andar mais no campo de aperto monetário do que tinha sinalizado antes da guerra", afirma. "A nossa previsão é 12,75%, mas o risco é ir além de 13%", estima. Ela reconhece que a Selic deverá ficar nesse patamar elevado até o início de 2023.
Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, elevou de 6% para 7,16%, com teto de 7,47%, considerando a ausência de compensação fiscal ou suavização dos reajustes da Petrobras, de até 24,9% nos combustíveis nas refinarias. Segundo ele, mesmo com a Selic encerrando o ano em 13,25%, a inflação ficaria nesse patamar acima de 7%. Na avaliação dele, o CMN poderia mudar a meta, mas somente a de 2022, porque já está perdida. "Não podem mudar a de 2023", alertou.
O diretor de Estratégias Políticas do Grupo Mongeral Aegon (MAG), Arnaldo Lima, também considera possível uma mudança na meta de inflação deste ano. Pelos cálculos dele, o reajuste dos combustíveis deverá ter um impacto de 1,2 ponto percentual no IPCA, sem considerar os efeitos indiretos e os futuros reajustes que devem ocorrer, e esse problema precisará estar no centro dos debates da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), do BC, que ocorre hoje e amanhã.
"Os preços dos combustíveis no mercado internacional ainda estão mais altos do que no mercado interno. A reunião do Copom ocorre diante de um cenário econômico muito mais incerto do que nos anteriores, especialmente, por conta da guerra na Ucrânia e da forte elevação no preço das commodities e da surpreendente valorização do real", afirma. Para ele, os efeitos econômicos do conflito "serão mais duradouros do que se imagina".
Receio de contratar recessão
As pressões inflacionárias e a disparada nas projeções do mercado estão deixando o Banco Central em uma encruzilhada e dividem o mercado. A questão é saber até que ponto a autoridade monetária conseguirá elevar a taxa básica da economia (Selic) sem contratar uma recessão para 2023. Por essa razão, os agentes financeiros estarão atentos ao comunicado que será divulgado após o fim da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que ocorre hoje e amanhã.
Analistas acreditam que, diante das incertezas econômicas provocadas pelo conflito no Leste Europeu, o BC terá dificuldade em sinalizar o quanto pretende elevar os juros na reunião seguinte, nos dias 3 e 4 de maio. A maioria dos especialistas aposta em uma alta de 1,0 ponto percentual na taxa básica Selic, atualmente em 10,75%. Mas, devido à deterioração das expectativas, o consenso é que o ciclo de aperto monetário será mais extenso do que o anteriormente previsto, devendo se estender até junho, na melhor das hipóteses.
Segundo eles, a taxa básica poderá ficar acima de 13% até o fim do ano, podendo chegar a 14%, dependendo da duração da guerra na Ucrânia e das pressões do conflito no Leste Europeu sobre os preços das commodities. E, conforme levantamento da Agência Estado com 47 instituições, sete já preveem a Selic em dois dígitos no fim de 2023.
Alta do PIB
Apesar da piora nas perspectivas de inflação, houve uma pequena melhora nas projeções do mercado para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, principalmente, por conta da disparada nas projeções do custo de vida — que ajuda a aumentar a arrecadação do governo. No entanto, as estimativas para o PIB de 2023 começaram a encolher.
Conforme dados do boletim Focus divulgado ontem, a mediana das previsões para o PIB deste ano passou de 0,42% para 0,49%. Já a do PIB de 2023, recuou de 1,50% para 1,43%. Ontem, o Itaú Unibanco, por exemplo, revisou de -0,5% para 0,2% a previsão para a variação do PIB deste ano. Para o do ano que vem, reduziu de 1% para 0,5% a projeção de crescimento, "considerando juros mais elevados e a expectativa de alguma reversão dos preços de matérias-primas".
Newton Rosa, economista-chefe da SulAmérica Investimentos, não vê espaço para juros de 13%, porque o impacto do ajuste monetário de 2021 vai começar a se refletir na atividade econômica agora. "Já temos uma taxa de juros acima de 7%, em termos reais. Isso já implica em um enorme sacrifício da atividade econômica, que vai começar a sentir os impactos das altas de juros", diagnosticou. "Se o BC puxar ainda mais a Selic para cima, estará contratando uma recessão para 2023", alertou.