BRASIL

Entrada de dinheiro estrangeiro na Bolsa brasileira bate recorde

Desde o início do ano até a última quarta-feira, o saldo de capital externo na Bolsa de Valores chegou a R$ 71,063 bilhões

O Brasil vive um momento econômico delicado, com inflação em aceleração, desemprego persistentemente alto e perspectivas ruins para o PIB. Também está às vésperas de uma eleição que se configura complicada, e o mundo vive uma guerra que ameaça todo o funcionamento da economia global. Tudo isso, porém, não parece problema para os investidores estrangeiros.

Desde o início do ano até a última quarta-feira - ou seja, 68 dias -, o saldo de capital externo na Bolsa de Valores chegou a R$ 71,063 bilhões, superando o número de todo o ano passado, recorde da série histórica, de R$ 70,785 bilhões.

O que explica esse movimento? Para analistas, uma das principais causas é o fato de o mercado brasileiro estar fortemente ligado às commodities, que já vinham em trajetória de alta e ganharam ainda mais força com a invasão da Rússia à Ucrânia. Em relatório, o banco americano Goldman Sachs apontou que, diante do atual cenário, sua preferência para investimentos é no Oriente Médio, Norte da África e Brasil, dado o perfil exportador de matérias-primas dessas regiões. "Esses países oferecem proteção tática contra a combinação preocupante de crescimento mais fraco e inflação mais alta (no mundo)."

A intensa entrada de investimentos tem provocado a queda da cotação do dólar no Brasil, apesar de toda a turbulência econômica global. A moeda americana fechou, na sexta-feira, cotada a R$ 5,0541. No início do ano, era negociada na casa dos R$ 5,60. Dólar mais barato ajuda a conter a inflação, embora, no cenário atual, isso venha tendo bem pouco efeito. O risco, segundo os analistas, é de que esse capital que tem vindo para o Brasil tem perfil bastante especulativo. Portanto, pode ir embora muito rapidamente, se as condições ficarem adversas.

Com conflito na Europa, investidor procura commodities brasileiras

O investidor estrangeiro que tem vindo para o Brasil mostra um interesse bem específico: commodities. Levantamento feito pela consultoria Economatica a pedido do Estadão evidencia esse quadro.

Dos 33 setores econômicos representados na B3, menos de um terço se valorizou neste ano, e apenas três apresentaram ganhos acima de 10%. Mineração teve alta de 34,77%, o setor agropecuário de 17,72% e petróleo e gás registra 11,78% de crescimento. No período, o Ibovespa, principal índice da Bolsa, subiu 9%.

Na outra ponta, o setor de computadores e equipamentos, onde estão empresas como Positivo, Intelbras e Multilaser, já perdeu 34% no ano, e o de automóveis e motocicletas caiu 19,71%. No setor de transporte a queda chega a 15,31%, pelo estudo preparado por Einar Rivero.

CONCENTRAÇÃO. De acordo com o corresponsável de portfólio para ações da gestora WHG, Daniel Gewehr, a alta do Ibovespa nesse início de ano foi sustentada, basicamente, por dez ações listadas na

BOLSA. Ele lembra que o peso do setor de commodities chega hoje a 30% do índice - há um ano, era de 20%. Para ele, o que também atrai os investidores é o fato de essas empresas estarem baratas em relação às suas concorrentes globais.

Para Gewehr, a entrada de recursos externos ao Brasil deve continuar. Mas ele diz não esperar, à frente, um movimento tão forte como o visto no início deste ano.

Em contrapartida, diz, o investidor local deve continuar fugindo da Bolsa, por conta da alta forte dos juros, que tem provocado migração para a renda fixa. No acumulado deste ano, os investidores pessoa física já retiraram R$ 16,213 bilhões da B3.

O economista responsável pelos mercados emergentes da consultoria londrina Capital Economics, William Jackson, explica que, além do preço das commodities, que dará um impulso às exportações, atraindo investidores, a falta de ligação do Brasil com Rússia e Ucrânia e o pouco contágio dos efeitos da guerra no Leste Europeu também têm ajudado a direcionar o fluxo de capital para cá.

Relatório do Instituto de Finanças Internacionais (IIF), entidade formada por mais de 400 bancos globais e com sede em Washington (Estados Unidos), corrobora essa avaliação. A entidade apontou que, apenas em fevereiro, a entrada de capital em países emergentes atingiu US$ 17,6 bilhões, sendo US$ 8,7 bilhões apenas para a América Latina.

O órgão apontou que há distinção no direcionamento dos fluxos entre os países e que algumas regiões estão, potencialmente, beneficiando-se, exatamente, da dinâmica de alta dos preços das commodities.

RECURSOS. Em relatório enviado a clientes há poucos dias, o Bank of America destacou que, enquanto investidores nacionais estão saindo de fundos de ações e migrando para a renda fixa, diante das taxas de juros mais altas, algo que torna essa classe de investimento mais atrativa, os investidores estrangeiros direcionaram o fluxo ao Brasil, sendo os grandes responsáveis pela alta do índice brasileiro neste início do ano.

Segundo o banco, a favor do Brasil está a entrada de recursos aos emergentes e a preferência dos investidores pelas empresas de commodities, "em um mundo de inflação e de taxas de juros crescentes".

A gestora americana Franklin Templeton também acredita que o Brasil pode ser uma boa opção para investidores estrangeiros. "Apesar da recente alta do mercado de ações, os valuations (avaliação das empresas) parecem atraentes", aponta uma análise da gestora.

Assim, "nestes tempos incertos", os estrategistas da empresa avaliam que o Brasil, com sua oferta abundante de commodities, momento favorável para os resultados corporativos e retornos atrativos, "merece maior atenção dos investidores".

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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