Entrevista | José de Lima Ramos | Procurador-Geral do Trabalho

Reforma que pede outra reforma

No programa CB.Poder, chefe do Ministério Público do Trabalho considera insuficientes mudanças ocorridas em 2017. Defende a exigência de passaporte vacinal e uma avaliação caso a caso para o retorno de gestantes ao ambiente presencial

A reforma trabalhista de 2017 divide opiniões até hoje. O projeto acabou não agradando a diversos setores e, desde então, trabalhadores demandam alterações. O tema ganhou relevância na campanha eleitoral, a ponto de o pré-candidato petista à Presidência da República, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, defender mudanças na legislação. "Cavaram um abismo e esqueceram de fazer a ponte. Só ficou o buraco, onde o povo está caindo agora", disse Lula, em fevereiro.

Em entrevista a Denise Rothenburg, no CB.Poder — programa parceria do Correio e TV Brasília —, o procurador-geral do Trabalho, José de Lima Ramos, comentou a legislação trabalhista. Ele falou, também, sobre o retorno ao trabalho presencial, pauta de discussões desde 2021.

Para Ramos, o pedido de reavaliação das mudanças na reforma é válido. "Existem algumas posições: tem que revogar tudo, não tem que revogar nada. Eu gosto muito do caminho do meio. Teve alguns aspectos positivos. Por exemplo, construir uma relação entre empregado e empregador mais direta. O negativo disso foi que tirou o sindicato de algumas negociações e enfraqueceu o movimento sindical. Muita coisa foi considerada pelo STF como inconstitucional", comentou.

Na opinião do procurador-geral, os aspectos negativos da reforma superam os positivos. "A reforma não foi boa, porque não entregou o que prometeu", disse. "Você não tem uma segurança maior no trabalho, criou uma informalidade muito maior, porque desemprego leva à informalidade", observou.

Ele ressaltou, ainda, que a forma de rever a medida apropriadamente é ter um debate amplo, com participação da sociedade, além de fortalecer os movimentos sindicais. "Negociado sob legislado: isso não funciona se não tiver um sindicato forte. Você não vai trabalhar uma pauta sua com a empresa sob o risco de perder o seu emprego. Então eu digo: o movimento sindical precisa ser fortalecido", opinou o procurador-geral do trabalho.

Impacto da pandemia

Ramos também comentou sobre o impacto da pandemia de covid-19 no cotidiano trabalhista. Um dos pontos abordados é a lei que determina a volta das gestantes ao ambiente de trabalho presencial. O texto foi sancionado, na última terça-feira, pelo presidente Bolsonaro (PL), e modifica a legislação aprovada em 2021.

No entendimento de José de Lima Ramos, o retorno das grávidas deve ser analisado caso a caso, porque está em risco não só a vida da mãe, mas também a do bebê. O chefe do Ministério Público do Trabalho diz que essa avaliação deve ser feita pelo setor médico de cada empresa. "Não vai ser automático. Tem que ser analisado caso a caso para verificar se aquela mulher que está grávida vai ter algum risco ao retornar ao trabalho", pontuou.

Ramos também afirmou que o comprovante vacinal deve ser exigido para a volta ao ambiente presencial. Em dezembro, o presidente Bolsonaro se declarou contrário à medida. O chefe do Ministério Público do Trabalho procurou esclarecer a questão.

"É obrigatória ou é forçada a vacina? O Supremo já definiu, como guardião da Constituição: é obrigatória. Mas você não é obrigado, forçosamente, a tomar a vacina. O compulsório é o fato de ter medidas restritivas para quem não se vacinar", disse.

A partir dessa premissa, José de Lima Ramos explicou por que defende a exigência do comprovante de vacinação. Como a imunização tem impacto direto na redução de mortes e de casos de covid, exigir o documento é uma maneira de combater a doença. "É importante essa medida continuar? Sim, porque nós vemos os números, temos 84% de pessoas já vacinadas. Então acredito que a tendência é de que a imunização ocorra. Pelo que está acontecendo na ciência, demonstrando que estava com razão — a imunização é a única solução para que você tenha a diminuição desse avanço da pandemia. Entendemos que permanece a necessidade da comprovação", afirmou.

O especialista assinalou, ainda, a importância do teletrabalho, bem como de detalhar a legislação acerca dele. "É importante que seja visto como uma regulamentação necessária, para o próprio Congresso complementar aquilo que já está na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho, Artigo 75), que não tem nada ali. Ali só tem dizendo que é teletrabalho e que todas as condições [do teletrabalho] vão ser resolvidas num acordo", explicou.

Nesse sentido, ele ressaltou que a posição do trabalhador é vulnerável. "Olha, acordo trabalhista, no mundo real, aqui no Brasil, é para inglês ver. Porque você chega lá, não concorda com algum ponto e vai ser dispensado do emprego. Então a pressão econômica é muito forte para o trabalhador", comentou.

O procurador-geral lembrou, ainda, que o conjunto de normas da CLT define que os custos do teletrabalho são responsabilidade do empregador, conforme lembra o procurador-geral. "Para o trabalho em home office ou teletrabalho, é preciso uma internet rápida, veloz, segura, um equipamento que receba a plataforma que vai ser utilizada. O empregado não pode assumir esse risco. Por isso, é preciso fazer uma legislação mais específica. Mas enquanto não existe, a nossa CLT já estabelece: o empregador é que assume o risco do empreendimento", esclareceu.

*Estagiária sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza