O comércio global passou por um novo choque, após o presidente russo Vladimir Putin autorizar a invasão da Ucrânia na semana passada. Os ataques continuam causando instabilidade no mercado internacional para além do catastrófico extrato humanitário.
“Temos as cadeias de valor em desorganização que estavam começando a voltar a patamares próximos do normal devido à pandemia e que agora recebem esse choque”, explicou o CEO da BMJ Consultoria, Wagner Parente.
Além da disparada dos preços do petróleo, que chegaram a ultrapassar US$ 110 o barril nesta semana, Parente destaca que o agronegócio brasileiro tem uma dependência pelos fertilizantes russos. “Ainda não sentiremos nesta safra, mas na próxima sim. O Brasil importa em média US$ 5,7 bilhões em produtos da Rússia, 65% em fertilizantes, e exporta US$ 1,6 bilhão em outros produtos. Pelo menos 20% disso é soja”, explicou.
Essa dependência da agricultura brasileira e seu efeito cascata impactam as rações dos animais e o preço das carnes, que já sofrem com a alta da inflação — segundo o último boletim Focus do Banco Central, deve chegar a 5,56%.
A CEO da Produzindo Certo, Aline Locks, afirma que há preocupação do agronegócio com a questão. “Os produtores procurarão por alternativas se a guerra se prolongar: uso racional de fertilizantes, utilização de ferramentas de agricultura de precisão, substituição por biofertilizantes, adoção de práticas de agricultura regenerativa e rotação de culturas com foco na melhoria da qualidade do solo”, enumera.
Assim como Parente, a pesquisadora associada do FGV/IBRE, Lia Valls, explica que a Ucrânia é uma grande produtora de trigo e que possui um terreno fértil. Para ela, a Europa sentirá mais o impacto comercial e primeiro que o Brasil. Para exemplificar, Parente ressalta: “O trigo ucraniano chega à baguete francesa. No pãozinho francês é o trigo argentino”.
O mercado internacional sentirá o peso da escassez da oferta e demanda. Aline Locks diz que, mesmo que a Ucrânia tenha uma fatia pífia do mercado exportador brasileiro, tanto o país quanto a Rússia são players importantes em várias commodities, como trigo, milho, cevada, óleo de girassol e farelo de soja.
“Se o conflito perdurar, chegando à primavera no hemisfério norte, pode prejudicar a época de plantio nas terras férteis da região. Isso acarretaria um impacto em escala em várias cadeias e também impacta nos preços, pois gera escassez”, pontua.
Para ela, mesmo que o mundo se volte ao Brasil e outros países produtores, não há terra o suficiente para atender a todos em um eventual desabastecimento e isso gera alta nos preços. Lia Valls completa: “Guerras geram protecionismo, perda de produção. A grande questão deste conflito não é a Ucrânia, mas as grandes potências envolvidas, Rússia e EUA. Isso afeta também a confiança do mercado”.
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