Entrevista | ROBERTO PADOVANI | economista-chefe do Banco BV

'Todos pagarão o custa da guerra', diz Roberto Padovani

O conflito entre Rússia e Ucrânia resultará em menor crescimento no mundo e em mais inflação. O choque externo, diz o especialista, pega o Brasil em situação vulnerável. O país vem se expandindo pouco e o custo de vida ronda os 10% ao ano

O conflito armado entre a Ucrânia e a Rússia trará consequências pesadas para o mundo, em especial, para o Brasil, que se encontra mais vulnerável a choques externos, afirma o economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani. Segundo ele, o crescimento econômico no país já está baixo e a inflação, alta, rodando na casa de 10% ao ano. Dependendo da duração da guerra, esse quadro tende a piorar, pois atingirá a cadeia global de produção. Ou seja, poderá haver escassez de mercadorias, o que sempre resulta em preços mais altos. "É um custo espalhado por todo o planeta, todo mundo deve pagar a conta", diz.

No entender dele, o Brasil está sem margem de manobra para lidar com choques externos. A carga tributária atingiu o limite, a arrecadação extra que houve no ano passado teve a ver com a inflação alta, os juros continuarão subindo, empurrando a dívida pública para cima. Ele ressalta, ainda, que a proximidade das eleições tornará mais difícil a aprovação de reformas como a administrativa, que poderiam resolver parte dos problemas da estrutura dos gastos públicos. "Essa indefinição aumenta o ambiente de incertezas, leva a mais imprevisibilidade e, portanto, acaba penalizando o país", destaca. Veja os principais pontos da entrevista ao Correio.

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Como o Brasil está hoje do ponto de vista econômico para enfrentar uma guerra que pode se prolongar?

O país está muito vulnerável a choques externos. Esse choque pode ser a guerra na Ucrânia, ou a alta de juros internacionais. O fato é que o país está vulnerável pela questão fiscal. Nós temos uma dívida que caiu em 2021 e deve voltar a subir neste ano e nos próximos, e o problema dessa alta é que vivemos uma situação delicada. Temos um ambiente de baixo crescimento. Nos últimos anos, o Brasil tem crescido em torno de 1,5% ao ano, e a gente sabe que, em uma situação de estabilidade, os juros reais aqui devem ser alguma coisa próxima ao 4%. Isso, somado ao crescimento baixo, torna a dívida muito cara. Então, o Brasil tem uma dívida elevada, com uma trajetória de alta e existem muitas dificuldades de fazer esse ajuste, porque não dá para contar com a inflação, e a carga tributária já está muito pesada. Sem a ajuda da inflação ou de mais imposto, é preciso contar com a sorte de ter um ciclo global muito bom, como aconteceu com o ex-presidente Lula, mas não parece ser o caso. Também seria possível realocar as despesas, mas muitas delas são obrigatórias. Reformas como a administrativa não são politicamente simples. Então, temos uma dívida alta, cara de se carregar e com o ambiente macroeconômico marcado por juros reais maiores que o crescimento real. Tudo isso torna o Brasil muito vulnerável a choques externos.

O confronto entre Rússia e Ucrânia pega o país com inflação alta, juros subindo e risco de recessão. Isso torna o quadro mais complexo? Por quê?

Estamos entendendo essa crise entre a Rússia e a Ucrânia como um choque inflacionário. Nesse ambiente de incertezas, os investidores buscam proteção no dólar. Ao mesmo tempo, tem-se o aumento das dúvidas em relação à oferta de certas commodities, principalmente o petróleo. Então, se você tem um ambiente de alta de juros e do dólar, isso pressiona o custo das empresas. Essas incertezas atrapalham o crescimento. A Europa, por exemplo, pode ser afetada pelo conflito, mas se você olhar para o desempenho de Estados Unidos e China, temos um bom desenvolvimento global, que pode beneficiar o Brasil. Assim, a nossa impressão é que há um choque assimétrico, que pressiona mais custos do que afeta uma aceleração da atividade econômica. Como o Brasil já tem uma inflação elevada, com o custo subindo, o conflito na Ucrânia agrava esse problema.

O fato de ser um ano de eleições no Brasil atrapalha ainda mais o contexto econômico? Há risco de o governo partir para medidas populistas para tentar manter a economia com fôlego?

Os riscos que víamos para este ano, antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, eram os cenários de alta de juros nos Estados Unidos e Europa, que ainda se mantém. Todas as vezes que temos redução de liquidez e aumento de juros, os mercados emergentes sofrem. No caso, o Brasil sofre por estar exposto pela sua dívida, mas também porque temos uma indefinição em relação à agenda econômica. É mais que uma questão eleitoral. Com uma eleição competitiva, não conseguimos saber qual será a condução do atual governo e da próxima administração. Essa indefinição aumenta o ambiente de incertezas, leva a mais imprevisibilidade e, portanto, isso acaba penalizando o país.

Quem mais sofrerá com esse o conflito armado entre Rússia e Ucrânia?

O custo econômico desse conflito está bem espalhado. A inflação é uma preocupação global. O índice de inflação ao produtor da Alemanha estava em 25% em janeiro, a inflação ao consumidor na Inglaterra está 5,11%, nos Estados Unidos, em 7,5%. São taxas muito elevadas, e essa guerra na Ucrânia aumenta a tensão inflacionária no mundo. Então você tem um viés para menos crescimento global. Também tem o impacto das sanções impostas que reforçam um cenário de menos crescimento. É um custo espalhado por todo o planeta, todo mundo deve pagar a conta por isso.

O que representa para o mundo uma guerra no meio de uma pandemia que ainda não acabou?

A nossa avaliação é a de que as sanções que estão sendo impostas pelos países ocidentais à Rússia — cujos bancos foram banidos do Swift, a rede financeira internacional — e o interesse da China em não criar uma grande turbulência global contenham o conflito. Então, entendemos que essa situação não deve escalar e se tornar um conflito de grande porte na Europa. Dito isso, a nossa leitura é de que é um choque, mais um dentre vários desde o começo da pandemia. Além do coronavírus, também tivemos os estímulos fiscais monetários que fizeram com que tivéssemos um quadro de inflação global. No caso brasileiro, em particular, saímos de uma recessão prolongada entre 2014 e 2016 e, no meio disso, tivemos essa sequência de choques em nossa economia. Talvez esse seja um dos fatores que faça todo mundo achar que a capacidade do Brasil de crescer vem diminuindo. A nossa preocupação é que o conflito no Leste Europeu é mais um choque de uma série de choques que já vêm atingindo o país nos últimos anos.

Que desafios se impõem ao Brasil e ao mundo daqui por diante? Vai mudar a ordem mundial?

Essa combinação de pandemia e tensão militar gera um movimento de menos integração das cadeias produtivas globais. Ainda que o comércio internacional seja muito importante para a China, a impressão que se tem é que há uma desconfiança em relação às cadeias produtivas. Essa história da Ucrânia faz com que a Rússia seja isolada, e a impressão que temos é de que haverá um retrocesso da integração das cadeias produtivas globais. O impacto desse retrocesso é o aumento de custos. A ideia de se integrar cadeias é reduzir custos, portanto, menos inflação e mais crescimento. Nesse cenário de menos integração, provavelmente, teremos um cenário de taxas de inflação mais elevadas e com menor crescimento.

*Estagiário sob a supervisão de Odail Figueiredo