"Agora é uma questão de desespero", resume Wallace Landim, o Chorão, presidente da Abrava (Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores) e um dos líderes da greve de caminhoneiros de 2018.
A Petrobras anunciou nesta quinta-feira (10/3) reajuste de 25% para o diesel, de 19% para a gasolina e de 16% para o gás de cozinha, repassando aos consumidores brasileiros a forte alta do petróleo no mercado internacional em decorrência da guerra da Ucrânia.
Os novos valores passam a ser cobrados a partir da sexta-feira (11/3) nas refinarias e distribuidoras.
Somente em 2021, a gasolina acumulou alta de 47%, o diesel de 46% e o gás de botijão de 37%, bem acima do aumento de 10% da inflação em geral, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
'Eu não decido nada'
A alta de preços dos combustíveis nesta quinta-feira acontece mesmo após o presidente Jair Bolsonaro (PL) ter criticado a política de preços da Petrobras e dito que buscaria soluções para mitigar o reajuste.
"Se você for repassar isso tudo para o preço dos combustíveis, você tem que dar um aumento em torno de 50% nos combustíveis, não é admissível você fazer. A população não aguenta uma alta por esse percentual aqui no Brasil", disse Bolsonaro na segunda-feira (7/3).
Nesta quinta-feira, o presidente se eximiu de responsabilidade pelo reajuste.
"No mundo todo aumentou [o preço dos combustíveis]. Eu não defino preço na Petrobras. Eu não decido nada, não. Só quando tem problema cai no meu colo", disse a apoiadores.
Ainda nesta quinta, está prevista a votação no Senado de dois projetos de lei que buscam minimizar a alta de preços dos combustíveis: o PLP 11/2020, que estabelece alíquota única e com valor fixo para a cobrança de ICMS sobre combustíveis e permite a inclusão de mais 5 milhões de famílias no Auxílio Gás; e o PL 1.472/2021, que cria uma conta para financiar a estabilização de preços dos combustíveis.
Apesar da urgência do tema em meio a escalada dos preços do petróleo devido à guerra no leste europeu, três tentativas de votação anteriores foram adiadas devido a dificuldades na negociação com o governo federal.
'Queremos o fim da paridade de preços internacional'
Para o presidente da Abrava, no entanto, as propostas em tramitação no Senado são paliativas e não resolvem a difícil situação em que se encontram os caminhoneiros.
Segundo Landim, a promessa é de que as medidas em discussão gerassem uma redução de 30% no preço dos combustíveis, mas esse percentual já estaria praticamente superado pela alta de 25% no diesel anunciada hoje pela Petrobras.
"A Petrobras foi criada para beneficiar o povo brasileiro. Ela hoje trabalha para o mercado", avalia o líder caminhoneiro.
"O que nós cobramos é que se retire o PPI, o preço de paridade de importação. Nós não ganhamos em dólar, ganhamos em real, e somos autossuficientes [em petróleo]. Até quando a população vai ficar sofrendo?", questiona.
A Petrobras adotou o chamado preço de paridade de importação (PPI) em 2016, durante o governo de Michel Temer. O modelo foi estabelecido após a empresa passar anos praticando preços controlados, sobretudo no governo de Dilma Rousseff (PT).
O controle de preços era uma forma de o governo mitigar a inflação, mas causou grandes prejuízos à petroleira.
Em 2018, durante a greve dos caminhoneiros, o modelo de paridade passou a ser bastante questionado. Mas, naquela ocasião, o governo optou por manter a política de preços, subsidiando temporariamente o diesel através de um desembolso de R$ 4,8 bilhões.
Agora, a paridade está no centro do debate eleitoral com candidatos como Lula (PT) e Ciro Gomes (PDT) prometendo mudar a política de preços da Petrobras e Bolsonaro questionando o modelo adotado pela estatal, de olho na reeleição.
Questionado se há ímpeto para greve entre os caminhoneiros após o reajuste desta quinta-feira, o presidente da Abrava lembra que diversas conquistas da categoria na paralisação de 2018 ficaram só no papel.
Além disso, os caminhoneiros não querem ser responsabilizados por soluções que repassem os custos à população, já muito afetada pela alta recente da inflação.
"Conseguir mobilizar a gente consegue, mas a gente vai levar essa culpa?", questiona Chorão. "Quem precisa se mobilizar é todo mundo que está sofrendo."
Segundo o líder caminhoneiro, mesmo que não haja greve, muitos caminhoneiros devem parar de rodar devido à alta do diesel. "A paralisação vai ser automática, a categoria vai parar porque não tem mais condições de rodar", afirma.
'É inflação na veia'
André Braz, coordenador de Índices de Preços na FGV (Fundação Getúlio Vargas), estima que os reajustes anunciados nesta quinta-feira pela Petrobras devem acrescentar 1,52 ponto percentual à inflação brasileira nos próximos 30 dias.
Cerca de 1,05 ponto deve bater na inflação já em março e outro 0,47 ponto, no IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) de abril.
Com isso, Braz elevou sua estimativa para a alta do IPCA em março de 0,7% para 1,6%, prevendo novo avanço de 1% dos preços no mês seguinte. Diante da nova alta dos combustíveis, o economista avalia que a inflação em 2022 pode chegar a 7,5%.
"Temos que levar em conta que existem efeitos indiretos que acontecem a partir do aumento dos combustíveis", alerta Braz.
"É inflação na veia, porque o diesel é usado no agronegócio, no frete, no transporte público urbano, fora o aumento da gasolina. Isso pode desencadear novos reajustes em outros segmentos, então esse 7,5% [e estimativa de inflação para 2022] é até meio ingênuo, pois não estou levando em conta nenhum outro efeito indireto."
Mesmo antes do reajuste desta quinta-feira, economistas já estavam elevando suas projeções para a inflação este ano, devido à alta de preços das commodities em decorrência da guerra.
Na terça-feira, a XP Investimentos ajustou sua expectativa de inflação para 2022 de 5,2% para 6,2% e o banco francês BNP Paribas subiu de 6% para 7%. Na quarta-feira, o Credit Suisse elevou sua projeção para o IPCA esse ano de 6,2% para 7%.
Os bancos também já começam a ver a possibilidade de o Banco Central levar a Selic (taxa básica de juros da economia brasileira) acima dos 13% nos próximos meses, para conter a escalada da inflação.
'Dinheiro já é pouco'
Enquanto os economistas debatem os rumos do IPCA e da Selic, os brasileiros não sabem como vão chegar até o fim do mês.
"É um absurdo, famílias inteiras já passam necessidade. Agora vai ficar muito mais difícil tanto para mim, quanto para as outras famílias", diz Ellen, de 38 anos.
Mãe solteira de cinco filhos e avó de dois netos, que ela sustenta com R$ 800 em benefícios sociais, a moradora de uma favela de Campo Grande (MS) ficou mais de uma semana sem gás nesse início de março, até conseguir um botijão através de doações.
Agora, com o novo reajuste, ela avalia que comprar gás vai ser ainda mais difícil nos próximos meses.
Ellen se diz grata pelos benefícios sociais que recebe do governo estadual e federal, mas afirma que as contas não fecham.
"Todo dinheiro é bem-vindo, mas não cumpre todas as necessidades. Famílias igual eu, que sou mãe sozinha, que somos mãe e pai, esse dinheiro não tira a gente do sufoco por mais de dois ou três dias. Aí não dá para comprar gás, porque o gás está muito caro, R$ 120 aqui."
Ellen recebe R$ 300 do programa estadual Mais Social (antigo Vale Renda) e outros cerca de R$ 500 do Auxílio Brasil (novo nome do Bolsa Família).
"São R$ 800 para sustentar a família toda. Eu não trabalho porque, há um ano e quatro meses, eu infartei e não consigo mais faxina, nenhuma ex-patroa quer me dar trabalho, porque elas ficam com medo de eu ter outro infarto e acabar morrendo no serviço", lamenta.
Vivendo apenas dos benefícios sociais, Ellen (que preferiu não ter o sobrenome divulgado por medo de perder os auxílios) se viu sem botijão de gás por mais de uma semana no início desse mês de março.
"Eu consegui [um botijão] através de doação, mas fiquei uma semana sem. Quando você compra o gás, você chega no mercado e só compra arroz e feijão, porque está aumentando tudo. Verdura, fruta, o dinheiro não chega para comprar nada disso para as crianças, nem um leite direito", afirma.
A mãe de família lamenta o novo aumento do gás de botijão. "Além de pesar mais ainda no bolso, vamos passar mais necessidade, porque o dinheiro já é pouco e as coisas continuam aumentando."
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