O presidente americano, Joe Biden, anunciou nesta terça-feira (8/3) a proibição de importação de petróleo gás e carvão russos pelos Estados Unidos.
"Não vamos ajudar a subsidiar a guerra de Putin", disse Biden, durante o anúncio.
O Reino Unido deve acompanhar os Estados Unidos no boicote, reduzindo suas importações de petróleo gradualmente até o fim de 2022, segundo o secretário de Negócios britânico Kwasi Kwarteng.
Já a União Europeia anunciou um plano de mais longo prazo para reduzir sua dependência dos combustíveis fósseis russos, com a expectativa de chegar à independência total até 2030.
Do outro lado, a Rússia ameaçou na noite de segunda-feira suspender o fornecimento de gás natural à Europa por meio do gasoduto Nord Stream 1. O vice-primeiro-ministro russo, Alexander Novak, alertou que o movimento poderia ter "consequências catastróficas" para a economia mundial e previu que o preço do barril poderia chegar com isso a US$ 300.
Diante da perspectiva de avanço nas restrições internacionais ao comércio de petróleo e gás, o óleo chegou a subir mais de 7% nesta terça-feira, superando os US$ 131 por barril para o tipo Brent, referência para o mercado europeu, e os US$ 128 para o WTI (referência nos EUA).
Desde o início do ano, o petróleo já valorizou mais de 70% e, na segunda-feira, a cotação chegou a bater em US$ 139, maior patamar desde o recorde de US$ 147 atingido em 2008.
Para analistas ouvidos pela BBC News Brasil, a proibição de importação pelos Estados Unidos tem efeito mais simbólico do que prático, já que a Rússia responde por apenas cerca de 8% das importações de petróleo americanas.
Ainda assim, o anúncio de Biden, que deverá ser acompanhado pelo premiê britânico Boris Johnson, traz volatilidade aos preços internacionais e os analistas avaliam que os preços podem voltar a flertar com patamares próximos a US$ 150 nos próximos dias.
No Brasil, esse cenário aumenta a pressão por uma mudança na política de preços da Petrobras, diante de um presidente Jair Bolsonaro (PL) preocupado com os efeitos da inflação na corrida eleitoral de outubro.
No Congresso, projetos de lei que buscam aliviar a pressão sobre os combustíveis ganham urgência com a alta de preços do petróleo no mercado internacional.
Por aqui, a percepção de uma piora do quadro inflacionário se consolida. Nesta terça-feira, a XP Investimentos, por exemplo, elevou sua projeção para a inflação no Brasil de 5,2% para 6,2% este ano, e de 3,25% para 3,80% no ano que vem, devido ao cenário de preços de commodities muito mais instável.
Petróleo a US$ 150?
"Os anúncios desta terça-feira devem trazer mais volatilidade ao mercado, apesar de os Estados Unidos importarem uma quantidade pequena de petróleo da Rússia, pouco mais de 600 mil barris por dia", observa Alê Delara, sócio-diretor da corretora de commodities Pine.
"Mas o anúncio traz o sentimento de um primeiro passo de proibição de importações de commodities da Rússia, que até então estavam sendo preservadas."
Segundo o analista, um cenário muito mais grave acontecerá caso a Rússia leve a cabo as ameaças de fechar a torneira de gás para a Europa de forma imediata.
"Com a proibição de importação pelos Estados Unidos, US$ 150 por barril é um patamar possível de atingirmos, porque já estamos muito próximos desse preço. Mas se a Rússia resolver barrar exportações e elas demorarem a retornar, aí o patamar de preços é muito difícil de prever", diz Delara.
"US$ 300 por barril [como previu o vice-primeiro-ministro russo Alexander Novak] parece muito apocalíptico, mas US$ 200 se a proibição durasse 60 dias é possível. Mas esse seria um cenário desastroso, que não está no radar por enquanto", afirma.
Para Dawisson Belém Lopes, professor de Política Internacional na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), a proibição de importações pode não ser tão decisiva para os rumos da guerra, mas se soma ao pacote sem precedentes de sanções econômicas à Rússia.
"Há um impacto simbólico, é uma sinalização forte. Biden não tinha opção, ia ficar muito estranho mover uma guerra por procuração, com uma condenação veemente da Rússia por parte dos Estados Unidos, se não houvesse uma atitude explícita de tentar impactar a Rússia cortando esse fluxo de petróleo, visando uma asfixia econômica de Putin", diz Lopes.
Ele avalia que a situação da Rússia diante do acúmulo das sanções é bastante complicada, mas não descarta uma atitude mais drástica de Putin.
"A Rússia não pode se dar muito ao luxo de abrir mão das rendas do petróleo e do gás natural, mas, num regime autoritário, o governante tem mais capacidade de empurrar os efeitos da deterioração social e econômica para a população sem sofrer tanto, porque o impacto da revolta popular é menor", observa o professor.
O especialista em política internacional da UFMG considera que um quadro de restrição de oferta pela Rússia poderia levar o mundo a um cenário de crise do petróleo similar àquele dos anos 1970.
Mas ele avalia que isso seria momentâneo, já que os países têm forte interdependência econômica e já se esforçam para encontrar alternativas ao petróleo russo, com EUA retomando conversas com Irã e Venezuela e liberando o uso de seus estoques de emergência para minimizar os efeitos da crise.
Lopes lembra ainda que Biden tem observado uma melhora dos seus índices de avaliação nos Estados Unidos, devido à resposta à guerra na Ucrânia. Mas ele considera que esse efeito pode se esgotar, à medida que cresça a fadiga da opinião pública.
"Há uma reação da popularidade Biden, mas não sei se isso se sustenta no médio prazo. O que define as coisas é o 'feel good factor', ou seja, a economia bem, o país se recuperando da pandemia e como vai se dar o acerto de conta depois com a China", afirma.
Para o professor, a relação com a China é a grande questão. "Se houver a sensação de que a China saiu ganhando com essa disputa, que conseguiu transformar a Rússia num Estado mais dependente, isso pode não ser bom na percepção da população estadunidense."
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