conjuntura

Guerra da Ucrânia empurra a inflação brasileira para cima

Analistas projetam impacto da invasão da Ucrânia nos preços das commodities, que se refletirá no bolso do consumidor

Rosana Hessel
postado em 03/03/2022 05:48 / atualizado em 03/03/2022 05:49
 (crédito:  Ed Alves/CB)
(crédito: Ed Alves/CB)

A guerra na Ucrânia vem afetando os preços das commodities negociadas no mercado global e acendeu o alerta para a volta das pressões inflacionárias, tanto dos alimentos quanto dos combustíveis — que têm pesos importantes nos indicadores que medem a carestia. Analistas salientam que, antes, previam um recuo maior no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) — que mede a inflação oficial — neste ano por conta da recente queda do dólar, que vem ocorrendo devido à forte entrada de capital estrangeiro em busca de ações baratas e dos juros de dois dígitos pagos pelos títulos públicos.

Depois da eclosão do conflito entre russos e ucranianos, esses mesmos analistas refazem os cálculos do IPCA para incluir a recente disparada dos preços. A alta dos preços das commodities pode se disseminar, elevando o custo do consumidor do pãozinho, do macarrão, da carne, além da gasolina e do diesel nas bombas, encarecendo o frete. Segundo eles, o IPCA deverá encerrar o ano acima de 6%, podendo ultrapassar 6,5%, além da mediana das previsões do mercado — em 5,6%.

As novas estimativas para o índice são preliminares, pois não se sabe a duração da guerra e o estrago que fará nos preços das commodities. O petróleo tipo Brent, negociado em Londres, encerrou o dia com alta de 7,58%, cotado a US$ 112,92 o barril. Em 12 meses, teve um salto superior a 80%.

Os preços do trigo, do milho e da soja também dispararam. De acordo com especialistas, a cada 10% de alta no preço do milho, por exemplo, há 2% de aumento do custo dos produtores de carne animal.

O economista André Braz, coordenador do núcleo de preços ao consumidor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), destacou que é cedo para saber o impacto no IPCA, mas reconheceu que "não haverá trégua na inflação neste ano". Por ora, ele eleva de 5,8% para 6,2% a previsão para a inflação oficial de 2022.

"É difícil estimar o impacto dessa guerra, porque o efeito é muito disseminado. Começa no preço do petróleo, passa para o combustível nas bombas, vai para toda a cadeia de derivados, como resinas plásticas, que afetam grande parte da indústria. Depois, temos que considerar os grãos: milho, soja e trigo dispararam e isso afeta a cadeia de alimentos em uma proporção que os analistas do mercado não haviam considerado", explicou Braz.

Cenário desafiador

Conforme disse, o cenário era desafiador por conta das eleições no Brasil, mas a guerra trouxe danos que serão difíceis de serem superados ao longo do ano. "Já começo a imaginar um cenário com inflação acima de 6,2% para a acomodação dos impactos do conflito na Ucrânia. Mas ainda não sabemos se pode piorar", alertou.

Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), disse que, recentemente, por conta da valorização do dólar — que chegou a ficar abaixo de R$ 5 —, tinha reduzido as projeções do IPCA no fim deste ano para algo entre 5% e 5,5%. "Fizemos um cálculo preliminar do impacto da guerra sobre os preços das commodities. Deve dar um impulso no IPCA de, pelo menos, 0,50 ponto percentual e voltamos a prever 6% de alta no indicador no fim do ano", disse. Para ele, "a guerra deve acabar logo", mas admitiu que se o conflito se estender, o impacto inflacionário poderá ser bem maior.

Diretor de Estratégias Públicas do Grupo Mongeral Aegon (MAG), Arnaldo Lima lembrou que, além de ser uma catástrofe humanitária, o conflito deve "gerar efeitos danosos sobre a economia mundial e a brasileira". "No caso dos alimentos, Rússia e Ucrânia exportam quase um terço do trigo no mundo (28%) e um quinto do milho (18%). Apesar de o Brasil importar a maior parte do trigo da Argentina, ainda assim poderemos sofrer impactos diante de uma interrupção do fornecimento global e da queda nas exportações russas e ucranianas. Até o pãozinho pode ficar mais caro", destacou Lima, que ainda prevê alta de 5,6% para o IPCA deste ano. "Estamos aguardando os desdobramentos para fazermos atualizações", salientou.

 

Meta pode ser temporária

Diante da disparada das commodities com a guerra na Ucrânia, cresce a certeza de que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, não conseguirá cumprir a meta de inflação em 2022 pelo segundo ano consecutivo. Por isso, analistas não descartam uma revisão, que poderá ocorrer em junho. Entre as apostas, cresce a da adoção de uma meta temporária, para evitar um tranco maior na atividade por conta dos juros elevados.

Mesmo antes da guerra, as previsões do mercado para o IPCA estavam em 5,60% — acima do teto, de 5%. No ano passado, o índice foi de 10,06%, quase o dobro do limite superior da meta anterior, de 5,25%.

Foi a sexta vez que o BC falhou na condução da política monetária e descumpriu o objetivo desde o início do regime, em 1999. E como o IPCA começou o ano acelerando, a mediana das projeções do mercado para a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 10,75% anuais, está em 12,25%. Ainda assim, não consegue pôr o IPCA abaixo do teto da meta.

Rota ascendente
Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), previra mudanças na meta de inflação antes da guerra. “A alta dos preços das commodities é, novamente, um choque de oferta que não será contido pela alta da Selic. Subir mais o juro agora é bobagem”, afirmou, prevendo a taxa, ao fim de 2022, em, no máximo, 12%, “para evitar uma recessão”.

O economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), também vinha apostando em uma meta temporária, pois as pressões inflacionárias são globais. “Com a guerra no Leste Europeu, se o BC subir muito os juros vai atrapalhar a retomada da atividade, que está fraca”, explicou.
Ele defendeu que a prioridade tem que ser a recuperação do crescimento econômico, do emprego e da renda, “mesmo que o desafio inflacionário venha maior”. “Não adianta o BC ficar perseguindo metas menos reais em cenários que são raros e esporádicos. Nada mais justo trabalhar com uma meta factível para não sufocar a atividade”, complementou.

De acordo com o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, o mercado não deve aceitar bem a mudança. “Espero que isso não ocorra. A inflação do ano que vem está ancorada ainda. Não vejo subindo a meta, ainda mais às vésperas de um processo eleitoral. Esse pesado ônus, se ocorrer, fica para o próximo governo”, avaliou.
Vale está revisando as projeções para o IPCA deste ano, de 5,8%. Para ele, devido à guerra a inflação oficial “deverá encerrar o ano acima de 6%”.

 

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pri-0303-inflacao (foto: pri-0303-inflacao)

 

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