O Banco Central liberou, desde a madrugada de ontem, a consulta ao novo site oficial do Sistema Valores a Receber (SLV), pelo qual qualquer cidadão brasileiro incluído no sistema bancário poderá identificar e resgatar dinheiro "esquecido" no banco. Com a disponibilização das consultas, muitos brasileiros começaram a fazer planos para usar os eventuais recursos que serão resgatados. Até o início da noite de ontem, quase 37 milhões de pessoas haviam entrado no site do BC para se informarem sobre o "presente" inesperado.
Nesse momento, no entanto, o BC não informa o valor que cada um tem a receber, mas muitos tem a expectativa de que seja uma quantia significativa. O administrador Márcio Ferreira, 39, morador de Brasília, por exemplo, disse que sua consulta foi um sucesso. "Estou muito feliz, estou planejando dar entrada em um carro ou pagar um à vista", afirmou. "Esse dinheiro chegou em boa hora, pois estou sem carro há dois anos, e preciso muito de um."
Ferreira afirmou que pensou em investir o dinheiro, mas que, no momento, precisa atender sua necessidade. "Hoje eu preciso de um veículo para me locomover, então é necessário investir em um carro, tanto para mim, quanto para minha família."
Já Sebastiana Santos, 44, dona de casa, afirmou que vai usar o dinheiro para pagar as contas. "Seja qual foi a quantia, chegou em hora boa", disse. "Eu vou conseguir adiantar umas contas que estavam 'penduradas' devido aos aumentos que estão ocorrendo. Mesmo que seja uma quantia baixa, vai ser positivo para mim", disse. Ela contou, ainda, que sua filha mais velha também tem valores a receber. "Isso vai ajudar aqui em casa."
No total, o BC informou que há um total de R$ 8 bilhões "esquecidos" no sistema financeiro. E que, numa primeira etapa, devem ser liberados R$ 3,9 bilhões para 28 milhões de pessoas físicas e empresas. Isso significa que, em média, cada uma dessas contas teria um saldo de R$ 139,28 resgatáveis. Apesar disso, a possibilidade de um reforço extra no orçamento é um alento para muitos.
O aposentado José Coutinho, 72, contou que, mais cedo, sua nora entrou no site para consultar se ele era beneficiário. "Logo pela manhã, eu vi na TV que o sistema tinha voltado ao ar. Logo, liguei para minha nora e meu filho, para que eles pudessem me ajudar a conferir". "Foi uma surpresa quando eu vi que tinha esse dinheiro, pois estou mudando de estado, para perto da casa do meu filho, porque minha esposa está doente e eu não consigo cuidar dela sozinho."
Coutinho acredita que no meio de tanta inflação, receber qualquer quantia é uma ótima notícia. "Eu vejo muitas pessoas passando necessidade e acho que quem conseguir receber algo vai sair dessa situação", disse. Para ele, a ajuda é mais do que necessária, pois tem muita gente passando fome, sem ter o que comer em casa.
O educador financeiro Ruda Lins observou que, mesmo com a possibilidade de poder receber um valor maior do que a média, é aconselhável moderar as expectativas. "A quantia a ser recebida pode não ser suficiente para realizar planos como comprar um carro à vista", explicou. "Mas pode ser útil para viabilizar uma viagem no fim do ano ou pagar alguma conta atrasada", disse.
Lins apontou quatro diferentes grupos de pessoas que podem aproveitar o dinheiro. O primeiro é o das endividadas, que terão a chance de quitar dívidas. "É um recurso inesperado. Se conseguirem quitar ou reduzir o endividamento, vão deixar uma parte maior do orçamento respirar", frisou. O segundo grupo é o das pessoas que não estão endividadas, mas ainda não têm uma estrutura financeira adequada. "É importante que esse pessoal não saia gastando e destine o dinheiro para uma reserva de emergência."
O terceiro grupo, segundo Lins, é das pessoas sem dívidas, que já têm uma reserva de emergência e estão com planos a curto e médio prazo. "Elas podem evitar um gasto contínuo no cartão de crédito", afirmou. O quarto e último grupo é o daqueles que já estão completamente estruturados. "Essas pessoas têm duas opções: investir ou usar o dinheiro para gastos esporádicos com que não estavam contando."
Saiba Mais
Beneficiários
Na primeira consulta ao site do BC, os beneficiários poderão saber se têm contas com resíduos financeiros, mas não o valor a receber. Isso só será possível a partir de 7 de março, quando começam os resgates (veja quadro). De acordo com o BC, os bancos terão até 12 dias úteis após o pedido de transferência para depositar o dinheiro na conta bancária dos interessados.
O SVR inclui diversos tipos de valores, além de recursos residuais em contas correntes: tarifas e parcelas de operações de crédito cobradas indevidamente, cotas de capital, rateio de sobras líquidas de cooperativas de crédito e dinheiro de grupos de consórcio que foram encerrados.
O BC decidiu disponibilizar o serviço em etapas para ampliar gradativamente as consultas. Isso significa que o cidadão que não tiver nada a receber neste momento, pode tentar nas próximas fases, que serão implementadas a partir de maio. Ou seja, as pessoas que estão "zeradas" agora podem ter identificado algum valor a receber no futuro.
Em março, além do início das devoluções, haverá uma repescagem. As próximas etapas, a partir de maio, permitirão a consulta e resgate de outros R$ 4,1 bilhões. De acordo com a autoridade monetária o sistema de SVR será permanente.
Impacto
O dinheiro poderá ser sacado após o pedido de resgate. O pagamento será realizado via Pix na instituição escolhida pelo beneficiário. O BC ainda garantiu que, mesmo que percam os prazos, as pessoas nunca perderão direito sobre os valores. "As instituições financeiras guardarão esses recursos pelo tempo que for necessário, esperando até que o cidadão solicite a devolução", informou a autarquia.
O Banco Central esclareceu, ainda, que, no caso de alguém pedir o resgate sem indicar uma chave Pix, a instituição financeira responsável pelo dinheiro entrará em contato para realizar a transferência. "Mesmo nesse caso específico, essa instituição não pode pedir que você informe seus dados pessoais nem sua senha", alertou.
O economista Homero Azevedo Guizzo, da Terra Investimentos, avaliou que o impacto dos saques na economia será limitado. "Para fins de comparação, os R$ 8 bilhões disponíveis equivalem a 0,6% do consumo das famílias em um trimestre. Então, esses recursos podem mover a agulha dos indicadores de consumo em um trimestre, mas seu efeito duraria pouco tempo e em nada se comparariam, por exemplo, ao impacto recente da inflação no consumo das famílias", analisou.