O clima no Ministério da Economia está cada vez mais tenso. O ministro Paulo Guedes já pediu ao presidente Jair Bolsonaro (PL), sem muito sucesso, que não endosse duas propostas de Emenda à Constituição (PEC) a respeito de combustíveis em discussão na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, apresentadas na semana passada. Além de Bolsonaro, a Advocacia-Geral da União foi alertada sobre os riscos fiscais das duas PECs, que são chamadas de "kamikazes" por analistas e pela equipe econômica.
A que mais preocupa os técnicos da Economia é a do Senado, a PEC 1/2022, de autoria do senador Carlos Favaro (PSD-MT). Pelas estimativas de fontes do governo, a proposta pode custar mais de R$ 100 bilhões aos cofres públicos, comprometendo a meta de limitar o deficit primário neste ano a R$ 170,5 bilhões. Além disso, a proposta possui dispositivos que criam despesas e extrapolam o teto de gastos. No ano passado, esse limite foi ampliado em mais de R$ 100 bilhões, para R$ 1,7 trilhão, pela polêmica PEC dos Precatórios.
A PEC 1/22 tem como co-autores vários senadores da base governista. A matéria autoriza União, estados e municípios a reduzirem os impostos sobre o diesel, gás e energia elétrica, bem como outros tributos. Além disso, altera o teto de gastos e concede auxílio diesel de até R$ 1,2 mil a caminhoneiros autônomos, subsídio de 100% ao gás de cozinha para famílias de baixa renda e subsídios para o transporte coletivo. E ainda prevê a criação de um fundo de compensação de preços, medida que mais preocupa o ministro Paulo Guedes.
Na Câmara, outra PEC, do deputado Christino Áureo (PP-RJ), que tem o selo da Casa Civil, também prevê redução dos impostos sobre combustíveis e autoriza estados e municípios a fazerem o mesmo. Áureo ainda não conseguiu o mínimo de 171 assinaturas. As estimativas de impacto da medida variam de R$ 54 bilhões a R$ 70 bilhões.
De acordo com o economista e consultor Murilo Viana, é preciso considerar que a proposta tem um dispositivo que prevê redução de outros tributos, como Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que não incidem sobre os combustíveis e, com isso, o impacto fiscal pode chegar a R$ 100 bilhões. "As duas PECs são kamikazes e ameaçam as regras fiscais. O grau de incerteza é muito grande e qualquer analista está fazendo cálculos no escuro. Ninguém sabe o tamanho exato do buraco, mas ele não é pequeno. Isso mostra o clima de improviso em pleno ano eleitoral", lamentou.
Apesar de o ministro da Economia deixar clara a oposição às duas PECs, Bolsonaro vem defendendo a revisão da carga tributária que incide sobre os combustíveis, de olho na campanha à reeleição. "A PEC não é impositiva, é autorizativa em momento de emergência", argumentou Bolsonaro, no último domingo. Ontem, foi a vez do presidente da Petrobras, general Joaquim Silva e Luna, afirmar que vê a PEC da Câmara com "bons olhos".
Na avaliação da economista e professora do Insper Juliana Inhasz , a confusão é mais uma evidência de que a ala política está dando as cartas no governo. "As PECs devem gerar problemas econômicos bem sérios. Depois da PEC dos Precatórios, a porteira da irresponsabilidade fiscal está aberta e vai deixar uma herança maldita gigantesca para os cofres públicos", lamentou, lembrando que as medidas aumentam despesas da União sem prever compensações.
Enquanto isso, o mantra da equipe de Paulo Guedes é pedir o apoio para o Projeto de Lei Complementar (PLP) 11/2020, que estabelece valores fixos pata a incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre os combustíveis. Aprovada na Câmara em outubro de 2021, a medida ainda precisa ser apreciada pelo Senado e tem resistência dos governadores. (Colaboraram Michelle Portela e Taísa Medeiros)