O ministro da Economia, Paulo Guedes, virou quase uma figura decorativa no governo, diante das derrotas recentes que deixaram a agenda liberal prometida por ele apenas no discurso. A última bola nas costas foi a PEC dos Combustíveis, proposta de emenda constitucional preparada pela ala política no Palácio do Planalto e protocolada na Câmara pelo deputado federal Christino Áureo (PP-RJ), na última quinta-feira.
Elaborada pela Casa Civil, pasta comandada por Ciro Nogueira, um dos caciques do Centrão, a PEC pretende zerar os impostos sobre combustíveis e gás de cozinha por dois anos, algo que Guedes e sua equipe vinham tentando evitar, sem sucesso. A medida é considerada eleitoreira por especialistas em contas públicas. Eles alertam que o impacto dessa PEC pode chegar ao dobro dos R$ 54 bilhões inicialmente previstos pelos técnicos da Economia.
De acordo com o economista Murilo Viana, consultor de entidades ligadas à área tributária, o impacto pode ficar acima de R$ 100 bilhões. Isso porque o texto escancara a possibilidade de diminuir outros tributos além dos que incidem sobre combustíveis. Viana cita o artigo terceiro da proposta. "Ele abre a porteira para a redução de vários tributos, como Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Não é à toa que estão chamando essa proposta de PEC Kamikaze", ressaltou.
Conforme dados do Tesouro Nacional, em 2021, a receita total do governo com IPI somou R$ 71,3 bilhões, e a obtida com o IOF foi de R$ 49,1 bilhões. Viana lembrou que boa parte dessa arrecadação poderá ser reduzida. Ele lamentou o fato de a PEC não prever contrapartidas à redução de despesa, como é previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Pelos cálculos da economista Juliana Damasceno, da Tendências Consultoria, a PEC terá um valor quase igual ao projetado no Orçamento deste ano, de R$ 79,3 bilhões. Ela também fez um alerta sobre os riscos da proposta. "O efeito sobre a redução do preço dos combustíveis deverá ser muito pequeno ou nulo, diante das oscilações das cotações do petróleo no mercado internacional, cujas projeções têm se renovado para cima. Isso não dá para controlar. Outro efeito seria sobre o câmbio, pois o real ficaria mais desvalorizado diante da piora fiscal. Se esse efeito do câmbio chegar na inflação, os juros subiriam, e, consequentemente, o custo da dívida pública também aumentaria, trazendo uma conta extra a ser bancada pelo governo, além da própria renúncia fiscal", explicou.
"Não estamos em uma situação de abrir mão de receita no momento. Ignorar isso é colocar a agenda eleitoral à frente sem pensar no que virá após o resultado das eleições", acrescentou Damasceno.
Paulo Guedes vinha defendendo a redução do IPI sobre vários produtos, menos cigarros, como alternativa à PEC dos Combustíveis. Essa seria uma forma de fazer os governadores reduzirem impostos, porque parte da receita do IPI é repassada para estados e municípios. O ministro chegou a admitir que seria favorável a uma redução de parte dos impostos federais sobre o diesel, que respondem por uma receita anual entre R$ 17 bilhões e R$ 18 bilhões. Mas tudo indica que ele foi ignorado pela ala política.
Vale lembrar que há outras matérias tratando de combustíveis no Congresso, com apoio dos governadores, que são pressionados por Bolsonaro para reduzir o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Segundo a Agência Senado, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) acertou, ontem, com o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que dois projetos que estão sob a relatoria dele serão votados no Plenário no próximo dia 15: o PL 1.472/2021 e o PLP 11/2020, que tratam do controle de preços dos combustíveis. O primeiro prevê a criação de um fundo de estabilização para os preços do petróleo e derivados e, o segundo, estabelece um valor fixo para cobrança do ICMS sobre combustíveis.