Devido ao aumento da longevidade dos brasileiros, nos dias atuais, é possível ver cinco gerações de consumidores numa mesma família: bisavó, avó, mãe, filha, neta e bisneta. Desde os anos 1940, a expectativa de vida do brasileiro aumentou em 31,1 anos, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estática (IBGE). Com isso, as famílias passaram a ter, cada vez mais, diferentes hábitos de consumo e objetos de desejo.
Se antes a bisavó sonhava em comprar o tecido mais caro para fazer um lindo vestido, hoje, a bisneta quer o celular de última geração. As longas filas em lojas ou falta do produto em estoque também não fazem mais sentido para as novas gerações: agora, tudo pode ser encontrado em um único clique pela internet, via celular, tablet ou computador.
O professor Carlos Eduardo Freitas Vian, do departamento de economia e administração da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), explica que o avanço das legislações e dos meios tecnológicos impulsionou novas maneiras de consumir. "[A evolução das formas de consumo] está relacionada aos aspectos da legislação, como mudanças em relação às questões trabalhistas, além de outros fatores importantes, como o avanço tecnológico", afirma.
O estudo "Os Novos Consumidores Brasileiros", desenvolvido pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) em parceria com a AGP Pesquisas, faz uma radiografia dos principais hábitos de consumo dos jovens entre 16 e 22 anos e revela que 75% dos jovens fazem compras pela internet, com a maioria deles concentrada em lojas virtuais com marca própria ou em sites de revenda.
Mesmo morando com os pais ou avós, que costumam comprar pelas formas tradicionais, as gerações mais novas já se adaptaram aos novos hábitos virtuais de consumo. De acordo com o estudo, 69% dos jovens entrevistados moram com os pais e pouco mais da metade (57%) não possui uma atividade remunerada — o que influencia o baixo consumo dessa faixa etária. Mesmo assim, a maioria das compras dos jovens é feita on-line.
Na família da servidora pública Danilla Veloso, 41 anos, quatro gerações de mulheres consumidoras se misturam, com costumes diversos. A avó, Elda Maria Fonseca, de 80 anos, não se adaptou ao mundo digital e segue com as velhas maneiras na hora de comprar, que são diferentes das da filha Joselma Fonseca, da neta Danilla e da bisneta Larissa. "Ela vem de uma geração mais afastada das demais. A minha mãe, que tem 60 anos, sempre trabalhou como analista de sistemas, então, a tecnologia fazia parte da rotina dela. A Bisa não usa nem WhatsApp, pela falta de familiaridade com a tecnologia", detalha.
Já a geração mais nova, os filhos de Danilla, está dentro das estatísticas dos jovens que preferem a internet. "Eu ainda 'sou old school' e curto o analógico, talvez até mais que a minha mãe", brinca. "A minha filha, Larissa, de 24 anos, é superadaptada e prefere as compras on-line", acrescenta.
Avanço tecnológico
Essa diferença brusca entre os hábitos das gerações mais recentes e das mais antigas pode ser explicada pela revolução tecnológica, que, nos últimos anos, fez as evoluções ocorrerem mais rápido e de forma mais intensa, na avaliação de Vian.
"Gosto de ressaltar a velocidade em que estas mudanças estão acontecendo. No consumo, elas sempre ocorreram, mas os processos eram mais lentos. Há mais ou menos 20 anos, e com a revolução tecnológica, tudo começou a evoluir muito mais rápido. A relação que eu tinha com os meus pais não era tão diferente da relação que os meus pais tiveram com os meus avós, mas as próximas gerações estão vendo as mudanças mais rapidamente", afirma o professor. "A nova geração tem outra visão, porque eles cresceram em um ambiente mais conectado e passaram a valorizar outras coisas e outros hábitos. As tradições mudaram", diz.
Estratégias para aumentar o consumo
Além do avanço tecnológico, as mudanças nos hábitos dos consumidores nas últimas décadas podem ser explicadas por estratégias incorporadas, tanto pelas empresas quanto pelos governos, para recuperar a economia após as grandes guerras, de acordo com Felipe Comarela, coordenador do núcleo de Direito do Consumidor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), especialista em Sociedade de Consumo.
Com o passar do tempo, a durabilidade dos produtos vem diminuindo, a fim de turbinar o consumo, que é o principal motor de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) das sociedades capitalistas. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as despesas de consumo das famílias responderam por 62,9% do PIB brasileiro de 2020. Os investimentos responderam por 15,9% do PIB e os gastos do governo, por 20,5%.
"Nos últimos 80 anos, grandes transformações sociais foram incorporadas a partir das relações humanas. O consumo passou a fazer parte necessária à vida da sociedade e também do Estado. No contexto pós-Segunda Guerra Mundial, foram desenvolvidos mecanismos e estratégias para alavancar, cada vez mais, os atos de consumo da população, porque foi visto como alternativa, como via de superação das dificuldades econômicas. Então, a forma óbvia encontrada na época foi desenvolver o consumo", explica.
De acordo com o especialista, para as primeiras gerações, entre os anos 1940 e 1960, os bens de consumo ainda eram muito duráveis. Isso se manteve até por mais ou menos o início dos anos 1990. "Porém, paulatinamente, foi incorporando um elemento chamado obsolescência programada, que acaba forçando a utilização ou a realização de mais atos de consumo do que a geração anterior. A geração seguinte começou a lidar com produtos com durabilidade começando reduzida. E não apenas a durabilidade menor, o surgimento de novidades também afetou o comportamento do consumidor", detalha.
"Para a geração dos anos 1940, a relação com os bens de consumo é, muitas das vezes, pautada pela parcimônia, pelo comprar menos e ter contato, ainda hoje, com produtos que foram comprados há muito tempo. Era comum, há alguns anos, encontrar na casa da avó uma máquina de lavar roupa de 30 anos de idade. As pessoas acabam se vinculando a esse elemento", destaca.
Volatilidade
Comarela avalia que a diferença mais drástica do comportamento entre as gerações mais jovens se deve ao fato que uma geração passa para a geração seguinte algum comportamento. Mas a geração seguinte evolui rompendo com alguns paradigmas anteriores. Então, esse relacionamento entre eles acaba não atuando no mesmo ambiente de consumo e nem mesmo em relação ao mesmo objeto de desejo.
As gerações mais novas, portanto, passaram a ter uma relação muito mais volátil, acelerada e mais relacionada com um prazo de vida do produto muito menor do que os comprados pelos familiares mais velhos. "Essas novas gerações, principalmente dos anos 1990 para frente, foram submetidas à amplificação da obsolescência. Seja pela obsolescência programada dos produtos para eles durarem pouco, seja pela grande oferta de novos produtos e modelos em um espaço tempo menor", explica o coordenador da UFOP. "Todas essas gerações têm em comum que elas fazem parte de um paradigma social que é a sociedade de consumo. Cada um foi contribuindo de alguma forma para chegar ao que nós somos hoje, onde o ato de consumir caracteriza muita das vezes quem nós somos perante a sociedade", acrescenta.
O próprio tamanho das famílias também influencia os hábitos de consumo, de acordo com Carlos Eduardo Freitas Vian, do departamento de economia e administração da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP). Os grupos familiares estão ficando menores, a necessidade de compartilhar e trocar coisas foi diminuindo, e houve um barateamento dos itens de consumo. A revolução tecnológica mudou isso. Na minha geração, não precisávamos de um celular. Hoje, temos uma oferta de muitos serviços e de produtos que são mais baratos", detalha o acadêmico.
*Estagiária sob a supervisão de Rosana Hessel
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