A movimentação dos candidatos com chances de cativar a atenção dos eleitores ainda está obscura quanto à visão imaginada para repor o país no caminho do desenvolvimento trilhado de 1950 a 1980. Sem tal visão e consenso mínimo quanto a ela, a tendência é de que diminuam as oportunidades de expansão produtiva a um ponto em que até o sucesso reconhecido do agronegócio não estará garantido a médio prazo.
As sequelas estão visíveis nas tendas das famílias desalojadas de suas moradias vivendo próximas às áreas nobres das grandes cidades, como as avenidas Faria Lima e Paulista em São Paulo, e nos mapas da população em idade de trabalhar do IBGE. Governantes e economistas destacam as taxas de desemprego — 11,6% no trimestre encerrado em novembro, contra 13,1% na medição até agosto.
Às vezes põem foco na qualidade do emprego gerado, crescentemente informal e com remuneração insuficiente frente ao valor da cesta básica, da ordem de R$ 690, pela apuração do Dieese. Nem sequer o salário mínimo de R$ 1.212 dá conta dos gastos de uma família de quatro pessoas, além de garantido apenas ao trabalhador registrado.
Frequentemente ignorado por ignorância ou má fé, contudo, é que a população em idade de trabalhar totaliza 160 milhões de pessoas, o que significa que 65 milhões estão permanentemente fora da força de trabalho, atualmente de 95 milhões, entre empregados, dos quais a maioria precarizada, empregadores e funcionários públicos.
Tal é a razão de ser impossível aos governantes da vez cancelarem despesas com programas sociais, especialmente os de transferência de renda como o Bolsa Família repaginado de Auxílio Brasil para dar a Bolsonaro alguma expectativa eleitoral junto à maioria de pobres, com o valor mensal de R$ 400 assegurado só até dezembro. É este o tipo de gasto público que mais cresce ao longo dos anos, dada a incapacidade de a economia gerar empregos suficientes e decentes.
Resultado: já passa de 90 milhões a população total dependente de renda paga por um dos três níveis da Federação, entre aposentados, cadastrados do Auxílio Brasil, servidores civis e militares etc.
E seguirá crescendo enquanto a ótica fiscal sufocar o planejamento do Estado, confiando que o capital privado seja, por si, capaz de empinar o desenvolvimento, essa visão tosca dos liberais de vitrine que dominam a formulação da macroeconomia nos últimos 40 anos.
Mais criação e inovação
O desenvolvimento aflora no mundo onde não há antagonismo entre os interesses privados e públicos. Ambos são solidários. Varia somente a intensidade e qualidade da convergência. Onde esse pacto em geral informal, contemplando o dinamismo privado e o bem-estar coletivo, foi esgarçado, assiste-se a uma rebelião social — a polarização de que tantos falam nos EUA. Partes da Europa vivem a mesma agitação.
Estamos próximos a esta situação? Depende do bem-estar de cada um, e da cegueira dos mais bem situados, aqueles que não se avexam de manifestar apoio às cretinices e desumanidades do atual governo. O fato é que as evidências demográficas e sociais espantam tanto pela sua existência secular, quanto pela tolerância da maioria ignorada.
E voltamos assim à perplexidade dos poucos candidatos preocupados em pensar o Brasil como a potência econômica inclusiva que tem tudo para ser, não o fazendão e a mina a céu aberto em que se tornou.
Não lhes está fácil, conforme reflexão do sociólogo José de Souza Martins, professor emérito da faculdade de Filosofia da USP, "criar e inovar em face do imprevisto". Isso, diz, é o que o "verdadeiro político, como o verdadeiro empresário", sabe fazer. Estão fazendo?
Removendo os estorvos
O presidente desconhece o seu papel na República, razão pela qual recorre a "recursos de escamoteamento", diz Martins, para ocultar as suas limitações. Os demais se dividem em dois grupos. Num estão, basicamente, Lula e Ciro Gomes, ambos voltados a estudar as causas da decadência econômica do país. Os demais representam os setores para os quais o Estado é vilão, burocratas e políticos são do mal e o mercado seria onisciente. Alguns que exaltam suas virtudes sabem que não é bem assim, tanto que se aplicam em capturar as agências sensíveis do Estado e a elas recorrem quando lhes convém.
Então, o que fazer? Já tratamos disso neste espaço. Em síntese: um conjunto de ações para desobstruir os estorvos do desenvolvimento, restabelecer a integridade das instituições e reacender a esperança da sociedade, visando dinamizar a economia, agilizar e melhorar a qualidade dos serviços públicos e promover o crescimento econômico movido a investimento e inovação, além do bem-estar social através do uso massivo e inclusivo de mudanças estruturais conectadas aos avanços tecnológicos. Tecnologia é a chave da transformação.
O fim do gradualismo
Não há como ignorar as mudanças no mundo, elas provocam disrupções seriadas e condenam os retardatários, entre outros males, a tempos de turbulências sociais, acanhamento geoeconômico e dificuldade de superação quanto maior o atraso em relação às megatendências em evolução acelerada (energias limpas, banco sem agências, dinheiro digital, telemedicina, carro elétrico, proteínas vegetais etc.).
Não há também espaço para soluções gradualistas para endereçar o que já devia estar resolvido, como o conflito em torno da partilha fiscal, a disfuncionalidade da governança pública, as desigualdades sociais e regionais, o sentimento de desesperança entre os jovens e os pobres, o abatimento da sanha empreendedora e a falta de coesão em torno do propósito comum de enriquecimento nacional e pessoal.
Foi-se o tempo em que bastavam ações tópicas que tudo se arrumava. O conflito entre ideias políticas ultrapassadas, com manifestações retrógradas em áreas do comportamento e da cultura, tira foco sobre o que é necessário fazer, enquanto as oportunidades batem à porta e o país vai ficando para trás na corrida do progresso. Não se trata de opções, mas de definições mandatórias nesta altura da evolução.
Em suma, é preciso dotar o governo, o parlamento, as empresas, as relações sociais de inteligência digital para liberar as forças da transformação, alavancar a educação, harmonizar as políticas fiscal e monetária, com arrecadação tributária em tempo real, consolidar os cadastros sociais, simplificar a burocracia. Faça-se isso que o resto tem jeito.