O corte de R$ 988 milhões nas verbas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no Orçamento de 2022, determinado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), acendeu o debate entre especialistas sobre o risco de um colapso no sistema previdenciário, uma vez que 1,8 milhão de pessoas estão na fila de espera para análise e concessão de benefícios.
Os vetos do presidente ainda serão apreciados pelo Congresso em fevereiro e podem ser derrubados, ideia defendida pelo relator-geral do Orçamento, deputado Hugo Leal (PSD-RJ). Ainda assim, profissionais de direito previdenciário e servidores do INSS alertam para o risco de prejuízos no atendimento à população.
O advogado previdenciário João Paulo Ribeiro explicou que a morosidade na concessão de benefícios aumentou drasticamente pouco antes da Reforma da Previdência, em novembro de 2019, e que o órgão se encontra em estado de “sucateamento” desde então.
“Os segurados começaram a correr para as agências para se aposentarem antes da reforma”, afirmou Ribeiro. “O INSS começou a abarrotar nesse momento. E a resposta aos requerimentos começaram a ter atrasos em torno de 10 meses. Muitas vezes, eram indeferidos sem quaisquer explicações.”
Viviane Peres, secretária de Políticas Sociais da Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (Fenasps), disse que muitas unidades da Previdência estão em situação precária. “Em algumas agências a internet não chega a 1MB de velocidade e, em vários estados, falta água para os segurados e os servidores”, denunciou.
Segundo a secretária, o veto de Bolsonaro, se mantido pelo Congresso, poderá ocasionar o fechamento de agências. “Uma agência sem limpeza e vigilância não pode funcionar, e 41%, ou seja, quase metade do orçamento do INSS, está sendo retirado. O mais prejudicado, no final das contas, será o trabalhador.”
Peres diz que há necessidade de atendimento presencial nas agências, pois grande parte da população não consegue manusear o acesso remoto. Além disso, a perícia médica e avaliação social do Benefício de Prestação Continuada (BPC) também são presenciais. “Por isso, é necessário investir em infraestrutura e em servidores.”
A espera na fila de atendimento tem angustiado a dona de casa Ericka Paiva, 21 anos, que mora no Rio de Janeiro e tem um filho de sete anos. Com problemas de visão, ela tenta, desde junho de 2021, conseguir o BPC, que consiste no pagamento de um salário mínimo mensal (R$ 1.212) a pessoas com deficiência e a idosos sem condição de se sustentar.
Além da demora, os canais de comunicação com o órgão também são falhos, segundo ela. “Eu não consigo ligar no 135 nem acessar o site porque, além da minha rede ser ruim, quando entra sempre dá erro”, reclama.
Outro problema denunciado pelos segurados, são as frequentes remarcações e falhas no sistema do INSS, como explica o trabalhador autônomo, Nilson Júnior, de 18 anos, que também aguarda pela concessão do BPC. “No dia 27 de dezembro eu fiz a avaliação social no INSS, compareci na agência e o INSS constou que eu não compareci. Somente 23 dias depois me mandaram e-mail de uma nova data de avaliação social que será somente no dia 7 de março, em um local bem mais longe”, conta o morador Ibirité, Minas Gerais.
Uma das causas para tanta demora, na avaliação de Pedro Henrique Costódio, advogado especialista em Direito Administrativo e em administração pública, é o atual déficit enfrentado pelo INSS no quadro de servidores, que já chega a 20 mil . Caso os vetos do presidente Bolsonaro sejam aprovados pelo Congresso, Costódio explica que o cidadão que já sofre com as constantes dificuldades no atendimento e na análise de processos será ainda mais prejudicado. “Não há qualquer possibilidade de resolver o déficit de servidores, e os serviços terceirizados também poderão ser afetados, haja vista a ausência de orçamento para custeio desses contratos”, reforça.
De acordo com a secretária Viviane Peres, a Fenasps tem articulado junto aos parlamentares pela derrubada dos vetos. "Neste primeiro momento é o que é possível de se fazer. Essa discussão tem que englobar toda a sociedade e sindicatos das demais categorias, porque o impacto vai ser no trabalhador e trabalhadora que necessitar do serviço do INSS”, destaca.
Tesouradas
Apesar de ser o mais afetado com os vetos de Bolsonaro, o Ministério do Trabalho e Previdência não foi o único atingido com as “tesouradas” do presidente. Segundo dados da Agência Câmara de Notícias, no total, o chefe do executivo cancelou R$ 3,184 bilhão entre emendas de comissões e despesas primárias discricionárias. Desse montante, R$ 736 milhões seriam destinados ao Ministério da Educação, R$ 458,7 milhões iriam para o Desenvolvimento Regional, R$ 284,3 milhões para a Cidadania e R$ 177,8 milhões para a Infraestrutura. Já o novo programa de renda mínima criado pelo presidente, o Auxílio Brasil, terá R$ 89,1 bilhões.
O advogado Pedro Henrique Costódio aponta que, apesar de todas as dificuldades geradas ao INSS e aos outros órgãos que tiveram verbas cortadas, nada foi discutido sobre as verbas destinadas para fundo eleitoral. “Talvez a maior surpresa seja a ausência de qualquer discussão sobre cortes nos R$ 4,9 bilhões previstos para o fundo eleitoral”, critica o especialista.
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