Raízes do atraso

Como nos programas de auditório, em que o animador esconde alguém ou algo, dá umas dicas sobre o mistério e desafia os participantes a adivinhar o que seria, não passa dia sem que economistas ligados ao mercado financeiro venham a público criticar e até prever, como arautos do caos, o fracasso de um eventual governo petista.

Trata-se de adivinhação, porque o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não abriu ainda o jogo do que faria uma vez eleito, mas não desautoriza quem pode falar por ele, como a deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente do partido, nem os ditos "economistas do PT", todos ansiosos para chamar a atenção. É tática de marketing político, tanto quanto a de seus desafetos.

Em situação normal, as supostas análises técnicas, isentas, por presunção, seriam palavras ao vento, dada a enorme distância entre o que diz o candidato e o que ele faz depois de eleito. O interesse nesta corrida eleitoral, que legalmente nem começou, está no que as ditas preocupações dos economistas revelam nas entrelinhas. Atente-se que a maioria se preocupa com Lula, não com o presidente Jair Bolsonaro (PL) reeleito.

Tais "impressões" acusam o receio dos críticos de que a dianteira de Lula nas pesquisas de intenção de voto não ceda e se confirme no dia de votação. Se um presidenciável é o sujeito de tantos artigos à revelia dos desejados pelos porta-vozes de segmentos da economia, isto significa que estão dando como irreversível o resultado.

Também tentam, com seus juízos prevendo o fim dos tempos caso Lula se eleja, firmar a frente que carimba o PT como insensato fiscal. É uma linha auxiliar à campanha do medo da "comunização", a tática de Bolsonaro, e a de associá-lo à corrupção, do ex-juiz Sergio Moro.

Outra percepção é de que tais esforços serão em vão, se a massa de pobres, mais de 70% do eleitorado, já estiver com cabeça feita devido à falta de empatia de Bolsonaro com as milhares de vítimas da pandemia, entre mortos e sequelados, e sua aversão às vacinas.

Os caciques do Centrão que o apoiam supõem que o Auxílio Brasil de R$ 400 atrairá o voto dos desatentos. Mas antes o bônus terá de ser dissociado do Bolsa Família criado por Lula. O que há é o mau-humor por surgir já insuficiente para cobrir a inflação da cesta básica.

O que é útil discutir

Talvez fosse mais útil discutir o que precisa ser feito para atender a necessidade da maioria do eleitorado, o que, em última instância, é função da política econômica e da disposição dos empresários em confiar na economia. O resto é tertúlia acadêmica.

Essa parada é a mais difícil. Embora já haja razoável consenso de que a economia está estagnada há mais de 40 anos, as causas formam uma cacofonia de explicações, em geral focadas no excesso de gastos públicos, no intervencionismo estatal e na corrupção dos políticos.

Então, propõem-se leis mais duras, prisão para ladrões do erário, questiona-se a legitimidade do Congresso, critica-se a leniência dos ministros do STF, assim como enxugamento de programas sociais, corte ou redução dos encargos sociais sobre as empresas, reforma administrativa para congelar aumento salarial de servidor e abolir o instituto da estabilidade. Ações tópicas, como fechar bares para proteger alcoólatras, em vez de tratá-los para livrá-los do vício.

No Brasil de 2022, cria do sentimento antipolítica saído da Lava-Jato que elegeu Bolsonaro em 2018, todo político não presta, o que tiver carimbo do Estado é ruim ou obra de comunista, os burocratas são sanguessugas, as mentes abertas comungam com o demônio etc.

É uma situação resumida pela máxima atribuída ao grande Tim Maia, segundo o qual o Brasil não pode dar certo porque aqui prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e pobre é de direita. Acrescente-se que aqui muitos empresários, especialmente os de menor porte, culpam o Estado pelas suas dificuldades.

Como mudar o Brasil

Como mudar o Brasil emperrado pela ausência de desenvolvimento há mais de quatro décadas, que perdeu a importância industrial que já teve até os anos 1980, quando China e Coreia do Sul tinham parques fabris menores e menos diversificados que o brasileiro?

Registre-se que nenhuma economia num país continental e população acima de 200 milhões de habitantes pode ambicionar o pleno emprego e a prosperidade escalando de uma geração para outra sem atividade industrial diversificada e inovadora. É essa indústria que bombeia o dinamismo de serviços, gerador da maioria dos empregos e renda.

Muda-se indo à raiz dos problemas. A gestão pública disfuncional é derivada de uma estrutura de governança que não governa, em parte porque feita para que muitos atores estranhos à eficácia do Estado sejam correias de transmissão de interesses espúrios e alheios à função esperada do setor público, seus serviços e regulação.

Não se extirpa corrupção com leis draconianas nem polícia em todo lado, mas com revisão contínua de processos, com programas digitais dos sistema gerenciais, com absoluta transparência e não a formal, do tipo me engana que eu gosto. O RH do tempo do DASP, Departamento de Administração do Serviço Público, era muito mais moderno que o atual, gerido por funcionários bem formados e diligentes.

A máquina pública é complexa, como qualquer grande corporação, não permitindo amadorismo nem influências subalternas a seu corpo.

A política valorizada

Um sistema político voltado ao umbigo dos dirigentes de partidos é como senha para arrombar o cofre. O papel do legislador merece ser revisado até para o político ser valorizado. Sem isso, o tanque de água das operações Lava-Jato nunca bastará. Quando se chega a esse ponto, o poço já secou. Escândalos assim levam os responsáveis à cadeia nos EUA, mas as empresas continuam abertas com nova direção.

A formulação da política econômica focada na meta de gerar emprego e renda implica priorizar a inovação industrial e a infraestrutura, que no estágio em que se encontra no país sua ampliação já levaria a ativar o importante ramo dos bens de capital. Qual o problema, se necessário for, de o investimento público financiar parte? O credor só poderá aplaudir, não ter urticárias como sugerem os economistas que batem ponto na imprensa e põem medo nos empresários nacionais.

Enfrentam-se os temas aqui falados com diversos pontos de vista e não cancelando quem diverge das ideias obsoletas, como o economista André Lara Resende, o mais brilhante de sua geração ainda ativo.

Os presidenciáveis inquietos receberão tais visões com agrado, mas precisam saber que elas existem. Ou conhecem as possibilidades, que são as aplicadas nos países mais bem-sucedidos, ou fracassaremos, e não só o eleito, como o país do passado que desprezou o futuro.