Nesta semana, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) autorizou a Gol a operar com número reduzido de comissários de bordo. A Azul também conta com a permissão, ao passo que a Latam aguarda decisão do órgão regulador quanto à solicitação. A medida vem em meio a alta nos casos de influenza e de coronavírus pela variante ômicron, que vêm afetando vários setores da economia. No caso do setor aéreo, os desfalques na tripulação fizeram com que as linhas aéreas brasileiras passassem a cancelar uma enorme quantidade de voos.
A medida foi aprovada para a Azul no dia 12 de janeiro, e para a Gol na última segunda-feira (17/1) e deve obrigar as empresas a reacomodarem clientes em outros voo, visto que as aeronaves estão com capacidade reduzida para se adequar à menor tribulação – é necessário ter ao menos um comissário para cada 50 passageiros. No início do mês, a Azul relatou aumento de 400% no número de afastamentos por atestado.
A princípio, as portarias terão validade até 13 de março de 2022 para a Azul e até 14 de março de 2022 para a Gol. De acordo com a medida, as companhias devem informar à Anac, a cada 15 dias, a relação das viagens que operaram com redução, especificando data, hora da decolagem, número do voo e matrícula do avião.
Em nota, a agência destacou que “o reconhecimento da existência de Nível Equivalente de Segurança é procedimento previsto no RBAC nº 11 e se aplica às situações em que não há o cumprimento literal de requisito estabelecido pela ANAC, mas são adotados fatores compensatórios que garantem o atingimento de sua finalidade, com nível equivalente ou superior de segurança”. O órgão também ressaltou que vem “estudando medidas no âmbito regulatório com o objetivo de minimizar impactos na malha aérea em decorrência do aumento de casos provocados por doenças respiratórias” e que segue monitorando as medidas operacionais adotadas pelas linhas.
Na opinião de Felipe Queiroz, especialista em macroeconomia, a ação é “necessária para evitar uma onda de quebradeiras”. “O setor tem um custo fixo elevado. Além da tripulação, tem a questão das aeronaves, e há uma necessidade de manter uma taxa mínima para essas empresas continuarem ativas no mercado e tenham a condição de se sustentarem diante desse cenário adverso. Logo que veio a pandemia, o governo liberou algumas operações de financiamento de crédito para as empresas, para que elas se mantivessem ativas e não quebrassem por conta de todos os cancelamentos e a paralisação que teve no setor”, lembra o economista.
Queiroz adiciona que, no caso de as dificuldades do setor tornarem-se muito graves, isso provocaria uma reação em cadeia. "O setor aéreo tem uma importância significativa para a economia, tanto pelo setor em si – pela quantidade de recursos que ele gira e pessoas que ele emprega direta e indiretamente –, quanto pelas suas interligações com os demais setores, a exemplo do turismo, eventos e transporte de cargas”, diz.
Menos funcionários, menos assentos
Com uma menor tripulação, diminui também o número de assentos que podem ser ocupados na aeronave. Sendo assim, a nova medida pode resultar em muitos passageiros ficando de fora e precisando ser reacomodados em outros voos. A restrição de assentos depende do modelo do avião. Nos Boeings 737-800 e 737 Max 8 operados pela Gol, o número máximo de assentos passa de 186 para 150 se voarem com três comissários. O Airbus A320 da Azul também pode levar 150 viajantes, reduzindo em 14 assentos sua capacidade original. Há, ainda, voos autorizados a ocorrerem com apenas dois comissários, como no caso dos realizados com aeronaves do modelo Embraer E195, que nesse cenário pode acomodar 100 passageiros.
A advogada especialista em direito do consumidor, Helena Lariucci, lembra que a autorização não passa por cima do direito e garantias dos consumidores e destaca que aqueles que não conseguirem embarcar devem ser realocado em outro voo, sem nenhum custo extra. “Lembrando que, se o consumidor já estiver no aeroporto e esse outro voo causar uma espera, a empresa aérea terá que custear alimentação desse consumidor ou hospedagem, a depender do tempo de espera. Importante esclarecer que, caso o consumidor tenha algum prejuízo (a depender da situação) é possível que ele procure um advogado para ajuizamento da questão perante o poder judiciário”, destaca a especialista.
De acordo com a advogada, as realocações devem causar menos transtornos do que os cancelamentos, de modo que não deve haver alarde quanto à capacidade das empresas de fornecer as compensações previstas em lei.
Uma situação vivida pela estudante Victoria Ribeiro, de 21 anos, pode acabar sendo realidade para um número maior de pessoas. Em dezembro, ela teve que ser realocada após faltarem assentos no voo da Latam para o qual havia comprado passagem. O destino era a cidade de São Paulo e a jovem conta que, embora tenha conseguido lugar em outra aeronave, o processo lhe causou dor de cabeça. “Meu voo era cedo, então acordei de madrugada para ir, e fui entrar no check-in pelo celular e não apareciam mais as informações. Fiquei recarregando a página e não aparecia nada, aí falei ‘não, tem algum erro, tudo bem’. Cheguei lá, passei normal pelo raio-x, procurei o portão lá no painelzinho do aeroporto mesmo e fui. Estávamos eu e minha irmã. Aí pegamos a fila e quando chegou ali passar, na hora mesmo de entrar no avião, o moço falou ‘não, seu check-in caiu”, explica.
Ela relata que também estava acompanhada de uma amiga, que conseguiu embarcar, e que mais nove pessoas estavam na mesma situação: foram barrados na entrada. “Ele [atendente da empresa] falou que o próximo voo era 13h. Quando isso aconteceu eram 7h, a gente acordou às 5h. Além disso, o novo voo chegaria no aeroporto de Guarulhos, não para o de Congonhas. Ou seja, eu ia chegar por outro aeroporto, que era muito mais longe”
No fim, a estudante acabou conseguindo ser reacomodada em um voo às 10h. “Mas mesmo assim ficamos mais duas horas esperando e com fome, aí eu fui lá e exigi os direitos. Falei ‘a gente vai ficar aqui ainda mais duas horas esperando, a gente não tomou café, nossa programação era tomar café da manhã lá em São Paulo e agora vamos chegar só na hora do almoço’. Aí eles falaram que podiam emitir um voucher de café da manhã, que é o mínimo, e eu já estava revoltada”, desabafa.
Depois de dizerem que forneceriam a alimentação das irmãs, porém, os funcionários teriam ficado enrolando para lhes entregar o voucher. “Falaram que não conseguiam emitir o voucher no guichê e que eu ia ter que sair, andar o aeroporto inteiro, desembarcar, ir lá no check-in para conseguir emitir, depois passar pelo raio-x. O aeroporto estava lotado”, conta. “Eu lutei muito, mas parece que eles estavam fazendo de tudo para eu não conseguir. Eles colocaram todos os problemas possíveis na frente para eu desistir. Mas no final peguei o voucher e era um pão com café, nada de mais e não matou minha fome”, diz Victoria.
A Anac afirmou em nota que está monitorando o cumprimento de prestação de assistência ao usuário por parte das companhias aéreas.
Medidas sanitárias
A operação com menos comissários e, por consequência, menos passageiros, não objetiva frear a transmissão nas viagens aéreas. No entanto, poderia ser útil também para isso, caso fossem adotadas as medidas corretas de biossegurança, segundo o epidemiologista Jonas Brant. "A redução de densidade de pessoas na aeronave teria que ser muito grande, talvez colocando uma poltrona vazia entre cada pessoa e o uso de máscaras adequadas. Esse talvez seja um dos problemas do transporte aéreo no Brasil. A regulamentação tem exigido qualquer máscara. Máscaras de tecido e cirúrgicas acabam sendo aceitas e isso não é uma boa estratégia de biossegurança”, explana o especialista.
“Nós vamos enfrentar um momento muito difícil com o volume de pessoas doentes neste momento na sociedade. Isso faz com que, num cenário ideal, devêssemos ter, inclusive, testagem para embarque e desembarque desses passageiros”, pondera o epidemiologista. Atualmente, os testes para detecção de covid-19 são exigidos apenas em voos internacionais.
Cancelamento de voos
Embora a Gol não tenha reportado viagens suspensas em razão de atestados nas últimas semanas, Latam e Azul somam mais 630 voos cancelados. Os dados mais recentes da Anac mostram que, juntas, Azul, Gol e Latam são responsáveis por mais de 98% da aviação doméstica no país.
A situação levou o Procon-SP a pedir esclarecimentos por parte das empresas, que deveriam fornecer informações acerca do número de voos prejudicados e de clientes lesados, além de manter o programa a par das compensações feitas aos passageiros.
A medida de permitir as viagens com menor tripulação pode ser um instrumento para fazer recuar os cancelamentos e, portanto, os passageiros. A Azul, porém, já havia sido denunciada pelo Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) por estar operando com menos comissários antes mesmo da autorização emitida pela Anac. A companhia escolheu não se manifestar a respeito das acusações. O SNA também admitiu estar preocupado com as flexibilizações, alegando que esse tipo de ação pode acabar ficando por mais tempo do que o necessário.
A Gol, por outro lado, declarou que pretende seguir programando seus voos com capacidade total e equipe completa, afirmando que a redução de comissários nos aviões só será feita em casos de “extrema necessidade” e que os clientes não serão afetados.
Vale lembrar que, no caso de voos cancelados, o consumidor prejudicado tem direito a reacomodação em outra aeronave – sem custo adicional, reembolso integral e corrigido do valor da passagem ou execução do serviço por outra modalidade de transporte. A escolha da compensação cabe unicamente ao cliente.
Remarcação da passagem é sem custo
Com mais de 630 voos cancelados nas últimas semanas, as empresas aéreas brasileiras seguem deixando consumidores na mão. Os surtos de covid-19 e influenza nas tripulações enxugaram a força de trabalho das companhias, que não estavam preparadas para o salto na quantidade de afastamentos.
A medida da Anac também afeta os consumidores. Com uma menor tripulação, também diminui o número de assentos que podem ser ocupados nas aeronaves. Sendo assim, a nova medida pode resultar em muitos passageiros ficando de fora e precisando ser reacomodados em outros voos.
A advogada especialista em direito do consumidor Helena Lariucci lembra que a autorização da Anac “não passa por cima do direito e garantias dos consumidores”. Ela destaca, por exemplo, que o passageiro que não conseguir embarcar deverá ser realocado em outro voo, sem nenhum custo extra.
A legislação de proteção ao consumidor confere direitos aos passageiros que forem prejudicados pelo cancelamento ou remarcação de voos pelas companhias aéreas. Por isso, é bom ficar atento e saber como proceder nesses casos.
No caso de cancelamentos de voos, o consumidor tem direito a solicitar o reembolso total da passagem; ser realocado em outro voo (e receber assistência caso precise aguardar no aeroporto); ou solicitar a execução do serviço por outra modalidade de transporte.
No caso de remarcação do voo, os clientes devem ser informados da mudança de horário com antecedência mínima de 72 horas. Caso não sejam avisados nesse prazo, os passageiros têm direito a reacomodação sem custo, ou a reembolso integral do valor da passagem. Se o viajante comparecer ao aeroporto fora do horário do novo voo por falha de comunicação da empresa, deve receber assistência material.
Atrasos no horário de voos também dão direito a compensações. No caso de atrasos superiores a uma hora, a companhia aérea deve trabalhar na facilitação da comunicação dos passageiros com familiares, amigos, ou com quem necessitarem falar. A partir de duas horas de atraso, os passageiros têm direito a receber alimentação fornecida pela companhia aérea, seja por meio da refeição em si ou de voucher individual. Se o atraso passar das quatro horas, a empresa é obrigada a fornecer hospedagem, em caso de pernoite, além do translado de ida e volta para o aeroporto. Os viajantes têm direito, ainda, a receber atualizações dos horários do novo voo a cada 30 minutos.
Se a empresa prestadora de serviços não cumprir com suas obrigações, é possível recorrer ao Procon ou recorrer ao site www.consumidor.gov.br. Se os problemas não forem solucionados, é possível, também, entrar com ação judicial contra a companhia.
*estagiária sob supervisão de Pedro Grigori
Saiba Mais