Um país que consegue equilibrar as contas públicas é considerado um bom lugar para os investidores estrangeiros. Não à toa, desde que começou a registrar deficit primário nas contas públicas, em 2014, o Brasil perdeu o grau de investimento — selo de bom pagador e os títulos públicos hoje são classificados como "lixo" no mercado externo desde 2015.
De acordo com a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), a mudança das regras fiscais às vésperas de um ano eleitoral foi muito ruim para a imagem do país e do governo para os investidores. Ela reforça que isso vai prejudicar a confiança do setor produtivo, limitando o investimento privado neste ano, diante da mudança de mais uma regra quando ela se torna impeditiva para os objetivos políticos. "Toda vez que o sapato aperta, o governo troca o sapato. A questão fiscal é importante. E o ambiente macroeconômico não está favorável para gerar condições para um crescimento mais robusto e isso afeta o investimento, porque há muita instabilidade e não há previsibilidade, especialmente, em ano eleitoral", destaca.
O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, também faz um alerta para o desequilíbrio fiscal que está em curso. "O quadro fiscal é desafiador. Com as mudanças profundas nas regras do jogo, a partir das emendas 113 e 114, derivadas da PEC dos Precatórios, o próximo governo terá de harmonizar as diferentes legislações e normas na área de contas públicas e fixar objetivos claros", afirma.
Conforme dados levantados pelo economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, as emendas parlamentares tiveram um crescimento espantoso nos últimos anos, passando de R$ 7,3 bilhões, em 2016, das quais R$ 3,6 bilhões foram efetivamente pagos, para R$ 31,7 bilhões, em 2021, dos quais R$ 24,9 bilhões foram efetivamente pagos. As emendas do relator passaram a existir no Orçamento de 2020, passando de R$ 19,7 bilhões, naquele ano, para R$ 15,2 bilhões, em 2021. Para este ano, a previsão é de R$ 16,5 bilhões, que somados aos R$ 21,3 bilhões previstos na peça orçamentária aprovada pelo Congresso, apenas as emendas parlamentares totalizem R$ 37,8 bilhões.
Problema estrutural
O economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), não poupa críticas às emendas do relator roubando espaço dos investimentos e destaca que existe um problema estrutural grave que limita o crescimento do país. E esse problema, segundo ele, já existia mesmo antes da pandemia da covid-19, o país não tinha se recuperado da recessão de 2015 e 2016 e vinha crescendo por volta de 1% e deve voltar a esse ritmo.
"Há restrições externas para o crescimento. O deficit em conta-corrente estava em 3% do PIB mesmo com o país crescendo pouco. O aumento com a alta dos preços de commodities, que ajudaram nas exportações em 2021, o saldo negativo foi reduzido, mas o superavit não veio na conta corrente do setor externo. E, agora, se o país crescer 2%, o deficit vai para 4% ou mais, que é padrão para uma crise no balanço de pagamentos", alerta Oreiro. (RH)