Se torpeza desse votos, Bolsonaro estaria reeleito por aclamação. Ele cria uma vilania por dia para ocupar o noticiário e as redes sociais difamando seus desafetos e as instituições da República.
Mas é Lula que lidera todas as sondagens de intenção de voto sem nem começar a "amassar barro" indo ao encontro do eleitorado que o prestigia nas pesquisas mais por recall que por vê-lo em campanha.
Sua expectativa de vitória faz grupos do PT demonstrarem soberba, contrariando o "lulismo", que é maior do que o petismo, já que ele próprio ainda avalia com um círculo restrito de assessores qual a mensagem de sua eventual candidatura, além dos pilares políticos e econômicos de um terceiro governo. Em paz consigo mesmo, não há o sentimento de revanchismo, apesar de ter passado 580 dias preso.
Mas também não amadureceu a convicção de que deve satisfação sobre a corrupção que marcou os governos petistas — de 2003 a 2016, com o desfecho traumático do impeachment de Dilma Rousseff.
É fato que houve desvios na Petrobras ou vários de seus executivos denunciados, julgados e condenados não teriam devolvido milhões de reais em acordos negociados pelos procuradores da Lava Jato, com a anuência do então juiz Sérgio Moro, em troca de redução de pena ou prisão domiciliar, além de desembargo dos bens congelados.
Também não há como esconder as relações espúrias com empreiteiras e grandes empresas, depois das confissões de diretores e acionistas da fina flor do gangsterismo empresarial. Ou dos "donos do Estado", outro modo de nomear os setores dependentes do ervanário federal.
Mas não restou provada a tese de que Lula seria chefe de quadrilha — denúncia central na peça acusatória do Ministério Público Federal e na sentença de Moro, mantida em recurso da defesa junto ao TRF-4 e pela turma de ministros do STJ. Talvez soubesse dos casos que lhe foram imputados, mas isso também não ficou devidamente comprovado.
O viés político de uma peça que deveria ser exclusivamente técnica é o que martelou a defesa de Lula, sendo aceito pelo STF, e poderá ser invocado por ele, se tiver de enfrentar a desconstrução de sua candidatura. Não é frágil argumentar que, sem a prisão, tenderia a se eleger em 2018, talvez em primeiro turno.
Condição sine qua non
Quanto mais convincente a justificativa, sobretudo junto à maioria do eleitorado que demonstra estar mais interessada nos bons tempos do lulismo que na má vontade da imprensa, menor a chance de a candidatura de Moro prosperar — condição acessória para Bolsonaro manter as rédeas da extrema-direita mesmo perdendo a reeleição.
Se necessário, a campanha de Lula poderá argumentar que boa parte dos denunciados, sobretudo os ligados à Petrobras, era indicação de partidos do centrão, que hoje apoiam Bolsonaro controlando a Câmara, orçamento federal e vários ministérios, em aliança eventual com a cúpula do Senado. Aliados do PT até 2016, tais partidos foram estranhamente poupados pelos procuradores.
A relação Lula-Centrão talvez fique suspensa até 2 de outubro, podendo servir, em caso de derrota de Bolsonaro, para enquadrar os mais afoitos dos partidos que fazem da política meio de vida fácil de enriquecimento. Com a cúpula renovada na Procuradoria e na Polícia Federal, os caciques do Congresso estarão mais propensos a ceder o poder de chantagem sobre o governo, exercido pela manipulação das chamadas "emendas de relator" ou "orçamento secreto".
A moralização da formulação e execução da lei orçamentária é vital para a reestruturação da governança do Estado, condição sine qua non para um governo minimamente funcional, o que hoje não há.
Voto decisivo dos pobres
Não é impossível a Lula manter-se à frente das preferências, mesmo fustigado pela imprensa e adversários. Esta semana, Bolsonaro disparou: "Como é que aquele cidadão está conseguindo apoio, apesar de uma vida pregressa imunda?" Como se a dele fosse limpinha...
A força de Lula é sua aceitação maciça pelo eleitorado com renda familiar total de até cinco salários mínimos, que é mais de 70% da população apta a votar. Essa faixa da população deu 47 milhões de votos a Fernando Haddad, o nome de Lula em 2018, apenas 10 milhões a menos que a votação de Bolsonaro, apesar da carga negativa sobre o PT e com o ex-presidente trancafiado em Curitiba.
A gestão desastrosa da economia pelo governo, levando dezenas de milhões à miséria, famílias inteiras morando como nômades em tendas armadas nas ruas pois despejadas e sem renda, formam o contraponto à minoria dos bairros nobres de São Paulo, Rio, Belo Horizonte, e até de Brasília, que se vê e é vista como a única população votante.
Ao contrário de 2002, quando Lula atraiu parcela expressiva desses eleitores mais bem aquinhoados, hoje sua eventual eleição dependerá do piso da pirâmide de renda, o que condiciona a política econômica ao inserir a necessidade de um programa que promova o crescimento.
A ortodoxia exaurida
Sejamos francos: é perda de tempo candidato deitar falação visando agradar o mercado financeiro. O pobre remediado de 2002 hoje está exausto depois de tanto proselitismo sobre assuntos que não entende bem e não atende suas necessidades. Até os empresários mais lúcidos estão convencidos de que a economia precisa de novas ideias.
O que lhes aflige é a ignorância altaneira de Bolsonaro que nem o ministro mercador de ilusões conseguiu lapidar. A incerteza quanto a Lula é se ele terá sensibilidade para entender que a exaustão com a hegemonia da ortodoxia econômica não implica apoio à heterodoxia a la Dilma nem ao desenvolvimentismo de antanho.
Está meio precificada a continuidade do Bolsa Família ampliado por Bolsonaro, mas se espera uma estratégia que promova o investimento em mobilidade urbana, moradias, energias renováveis, logística, que geram muitos empregos. O ensino profissionalizante ser a porta de saída do assistencialismo e a digitalização universal de pequenas e médias indústrias, a alavanca da produtividade. Em meio a isso, dar à governança do Estado os meios que elevem a sua eficiência.
Isso é o que se quer ouvir, não polêmica ociosa, como as postas em campo por vozes isoladas do PT. Nem os planos contabilistas dos que insistem com o que caducou nas universidades em que se formaram nos EUA. Insira-se na economia a maioria da população, que é função de educação de qualidade, e se terá o ajuste fiscal que nunca houve. O desenvolvimento surge e finca raízes onde há mercado de consumo de massa movido a renda e crédito a juro aceitável, além de indústria dinâmica e inovadora. Isso é novo só no Brasil.