O Banco Central tem como missão principal preservar o poder de compra do real. Mas, com a inflação elevada e persistente, em um cenário de metas cadentes, eleições polarizadas, quadro fiscal deteriorado e juros em alta aqui e lá fora, esse trabalho é mais desafiador — e o custo dessa tarefa para a população poderá ser bem caro: uma recessão.
A autoridade monetária falhou nessa missão em 2021 e pode descumprir a meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) pelo segundo ano consecutivo, conforme as projeções do mercado. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulou alta de 10,06%, no ano passado, a maior desde 2015 e quase o dobro do teto da meta de inflação, de 5,25%. Em 2022, o teto da meta é menor, de 5%, e a mediana das projeções do boletim Focus, do BC, estão acima desse percentual, mesmo com a taxa básica da economia (Selic) em 11,75%.
Apesar de a autonomia do Banco Central ter sido aprovada pelo Congresso com a condicionante do segundo mandato focado na atividade, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmou várias vezes que “a prioridade é o controle da inflação” e chegou a admitir a possibilidade de uma recessão para cumprir o objetivo primário. Analistas lembram que o BC está sozinho no trabalho de domar o dragão inflacionário, pois o governo abandonou as âncoras fiscais com a aprovação da PEC dos Precatórios, e, por conta disso, o remédio será bem amargo.
Na carta enviada ao ministro da Economia, Paulo Guedes, para justificar o descumprimento da meta em 2021, Campos Neto reforçou que o Comitê de Política Monetária (Copom) “irá perseverar em sua estratégia até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas”. Ele confirmou que, na próxima reunião do Copom, nos dias 1º e 2 de fevereiro, deverá elevar a Selic, atualmente em 9,25% ao ano, para 10,75%. As apostas de que os juros devem encerrar o ano acima de 12% estão aumentando, o que pode levar os juros reais para 6%, um freio e tanto para a atividade. “Para fazer a inflação convergir para a meta neste ano, será preciso uma recessão forte”, alertou o economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, Eduardo Velho, que prevê o IPCA entre 5,94% e 6,20% em dezembro.
De acordo com José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, a desaceleração da inflação será lenta, mas ela não vai convergir para dentro da meta e o PIB deverá encolher 0,5%. “Nosso cenário tem mais alta do dólar e rigidez em eletricidade. A inflação deve fechar 2022 em 5,5% e a Selic, em 12,25%”, afirmou. “O custo, como sempre que a inflação fica acima da meta, é menos atividade econômica. Portanto, menos emprego, menos renda, menos arrecadação e menos investimentos”, resumiu.
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Dúvidas
O economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), destacou que o ciclo de aperto monetário, iniciado em março do ano passado, quando a taxa básica estava em 2% ao ano, está sendo sentido na atividade econômica e a recessão está contratada. “Já tivemos queda em dois trimestres e tudo indica que o Produto Interno Bruto (PIB) do quarto trimestre de 2021 será negativo”, disse.
Assim como Oreiro, Gonçalves levantou dúvidas sobre a efetividade do atual regime de metas, que estão em queda, dificultando o trabalho do BC. “A carta de Campos Neto revela os limites do regime de metas de inflação. A meta do índice cheio no fim do ano cria rigidez desnecessária. O regime não pode ser uma camisa de força, deve ser um mecanismo de coordenação de expectativas. Usar as metas em países de moeda fraca parece não estar bem enquadrado nos modelos”, disse o economista do Fator.
O economista Ecio Costa, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), reconhece que a alta de juros tem vários efeitos ruins para a economia, mas pior é a inflação. “Essa crise, se houver, será temporária, mas é necessária, porque não dá para conviver com inflação alta. A população mais pobre é a que mais sofre com isso”, destacou.