Em 2021 a poupança teve o primeiro saldo negativo desde 2016. No acumulado de janeiro a dezembro do ano passado, os brasileiros retiraram mais recursos do que colocaram nas cadernetas. Os saques totalizaram R$ 3,44 trilhões no período, contra R$ 3,40 trilhões em depósitos — uma diferença de R$ 35,5 bilhões, segundo dados divulgados pelo Banco Central, ontem.
O resultado contrasta diretamente com os números de 2020, ano em que começou a pandemia. Na época, com as incertezas econômicas e mais brasileiros poupando, diante do medo do desemprego, a poupança teve uma captação líquida recorde, com um saldo de R$ 166 bilhões. Em 2019, esse saldo havia sido de R$ 13,3 bilhões.
Os dados apontam que a saída líquida de recursos no ano passado foi a terceira maior da série histórica do Banco Central, perdendo apenas para 2015 e 2016. O movimento é resultado, segundo especialistas, de uma combinação de fatores. O primeiro é o fim do Auxílio Emergencial, que deixou uma parte da população "descoberta" no início e no fim de 2021.
Outro fator que contribuiu para o resultado foi a alta na inflação, que atingiu dois dígitos em 12 meses, algo que não ocorria desde a implementação do Plano Real, em 1994. No segundo semestre, já com a inflação batendo recordes, a retirada de recursos em comparação aos depósitos foi mais evidente e cresceu entre agosto e novembro.
Em 2021, o mês em que os brasileiros mais retiraram recursos da Poupança foi dezembro, época em que milhões de pessoas correm às lojas para comprar presentes. No mês, aproximadamente R$ 318,1 bilhões foram sacados. Apesar disso, com o pagamento do 13º salário aos trabalhadores formais, o saldo mensal ficou positivo em R$ 7,6 bilhões. Já o mês com saldo negativo mais evidente foi janeiro, quando as retiradas somaram R$ 263 bilhões e os depósitos ficaram abaixo, com R$ 244,9 bilhões — uma diferença de R$ 18,1 bilhões.
A captação líquida também foi negativa em fevereiro, março, agosto, setembro, outubro e novembro, sendo que neste último mês, a diferença entre retiradas e depósitos foi a segunda maior de todo o ano, com R$ 12,3 bilhões, sendo R$ 294 bilhões em retiradas e outros R$ 281 bilhões em depósitos.
Para Ricardo Rocha, professor de finanças do Insper, um dos fatores que explica esse resultado é a alta de juros conduzida pelo Banco Central para tentar conter a inflação. Apesar de a poupança estar rendendo mais, essa modalidade — que nem é considerada como um investimento por vários educadores financeiros por causa da rentabilidade baixa — perde de longe para investimentos também seguros, como o Tesouro Selic.
"A poupança se torna menos atrativa. Mas só a alta de juros não explica. Parte disso é problema de caixa das famílias. Se você tem um problema de caixa, recorrer à poupança é uma solução emergencial. Por outro lado, à medida que o Banco Central eleva a Selic, muitos indivíduos procuram investimentos com boa rentabilidade", disse ele.
Essa migração, no entanto, deve ser feita com cuidado, já que, a depender do investimento, será preciso pagar taxa de administração e Imposto de Renda sobre o lucro, algo que não ocorre na poupança. Rocha também destaca que recorrer à poupança é um sinônimo de que falta planejamento, algo extremamente importante em época de preços cada vez mais salgados.
"As pessoas não se planejam para a realidade, a cesta de consumo fica mais alta, e elas correm para o cartão. Quem estava pagando a fatura integral passa a não pagar, usa limite especial, e todo ano é um final infeliz. No fim do ano tem muitos gastos e aí vem o ano novo e chega IPVA, IPTU", ressalta Rocha, que diz que é preciso acompanhar a evolução da Selic ao longo do próximo ano — que deve continuar subindo, segundo estimativas de especialistas ouvidos pelo Banco Central no Boletim Focus —, já que a taxa é utilizada como referência tanto para investimentos quanto para empréstimos.(IM)