O consumidor que estiver pensando em contrair empréstimos deve fazer bem as contas dos gastos no orçamento, porque o crédito vai ficar cada vez mais caro, alertam especialistas. Devido à inflação mais forte, a taxa básica de juros (Selic), que começou 2021 em 2% ao ano, encerrou dezembro em 9,25%, e deverá continuar subindo e ficar acima de dois dígitos pela primeira vez desde maio de 2017. Logo, comprar a prazo, desde uma simples roupa até a casa própria terá um custo maior ao longo deste novo ano.
O mercado de crédito encerrou 2021 com crescimento de 13,9%, pelas estimativas mais recentes da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Em relação a 2022, a entidade previa expansão de 7,3%, mas reduziu a projeção para 6,7% em levantamento divulgado nesta semana. De acordo com a Febraban, a nova previsão está em "linha com a redução, pelo Banco Central, das estimativas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022, de 2,1% para 1%, "e também decorre da elevada base de comparação forte e surpreendente expansão em 2021".
Especialistas avaliam que, com a alta da Selic, essa alavanca do consumo e do investimento produtivo não deverá ajudar muito no crescimento da economia. Ao justificar a previsão de queda de 0,5% no PIB em 2021, Luka Barbosa, economista sênior do Itaú Unibanco, conta que um dos principais motivos da revisão é justamente a alta dos juros, que deverá limitar a oferta de crédito para pessoas físicas e jurídicas. O banco prevê a Selic encerrando este ano em 11,75%, passando para 8%, em 2023, ano em que o país deverá crescer 1%.
Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) reconhece que o consumo neste ano pode ser negativo, devido às restrições de acesso ao mercado de crédito para os brasileiros, que estão cada vez mais endividados. Em novembro, o nível de endividamento das famílias brasileiras medido pela entidade chegou a 75,6%, considerando aquelas que ganham até 10 salários mínimos mensais. Ele lembra ainda que, como os juros reais básicos (descontada a inflação) devem ficar de 6% ao ano, "o crescimento do PIB em 2022 será desafiador".
BC está sozinho
O economista Mailson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda do governo José Sarney e sócio da Tendências Consultoria, destaca que, devido à falta de compromisso do governo com a questão fiscal após a aprovação da PEC dos Precatórios — que instituiu o calote de dívidas judiciais e mudou a regra do teto de gastos —, o Banco Central ficou sozinho na batalha de combate à inflação. Por isso, precisará manter a Selic em dois dígitos ao longo de 2022.
"O Brasil está condenado a vários anos de baixo crescimento e, agora, sem uma âncora fiscal, a taxa de juro real é mais alta, de 6%, o dobro da taxa de juros estrutural necessária, de 3%. E temos um governo que tributa as transações financeiras e aumenta o juro para o tomador final", lamenta Nóbrega.
Frederico Gomes, professor de economia do Ibmec-DF, reforça que os juros dos financiamentos, inclusive o da casa própria, devem ficar mais caros neste ano, contribuindo para limitar o crescimento econômico. "O aumento da taxa básica encarece também o custo de captação dos bancos e isso tende a ser repassado para a taxa cobrada do tomador final", explica. "Já estamos observando uma desaceleração na concessão de crédito e isso deve se acentuar, mesmo porque o Banco Central já deu indicações firmes de que o ciclo de alta de juros ainda não terminou", afirma.
Conforme as estimativas do mercado publicadas no boletim Focus, do Banco Central, a taxa Selic deverá encerrar este ano em 11,50%. Logo, os juros dos empréstimos ficarão bem acima desse patamar. A taxa média passou de 23,1%, para 24,3% ao ano entre outubro e novembro. Contudo, o custo daqueles empréstimos mais fáceis — e mais caros — é bem maior. A taxa medida do cheque especial, por exemplo, passou de 128,2% para 129,6% ao ano. No acumulado de janeiro a novembro de 2021, o custo dessa modalidade subiu 14 pontos percentuais. A taxa média anual do financiamento imobiliário, por sua vez, subiu de 8,2% para 8,7% ao ano, entre outubro e novembro, registrando alta de 2,1 pontos em 2021.
O professor do Ibmec recomenda fugir de empréstimos com taxas muito elevadas, como as do rotativo do cartão de crédito, que passaram de 214,1% ao ano, em outubro, para 230,4% em novembro. "Isso vai deixar a prestação mais alta e comprometer a renda do consumidor, e a pessoa pode chegar ao ponto de não conseguir arcar com os compromissos. Num momento de taxas elevadas, o ideal é postergar a compra a prazo, deixando para adquirir o que é de fato essencial", afirma Frederico Gomes.