Analistas torcem para que a autonomia do Banco Central, aprovada no ano passado pelo Congresso, passe pela prova de fogo deste ano eleitoral. O BC vai ser uma pedra no sapato para a reeleição de Bolsonaro, porque jogará contra, ao ter que intensificar o aperto monetário — que significa menos crescimento e mais desemprego para conter as expectativas do mercado e controlar a inflação.
"O BC possui independência formal. Não deveria ser um problema para a autoridade monetária. Acredito que o Comitê de Política Monetária (Copom) tenha que perseverar para defender seu mandato, a despeito do ano eleitoral. Cabe a ele desmistificar isso", afirma Marcos Ross, economista-chefe do banco chinês Haitong no Brasil.
Ele prevê que o PIB brasileiro deste ano fique negativo em 0,4% e adianta que deve elevar a projeção da inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A atual está em 5,3%. "Ainda aguardamos alguns dados, especialmente o IPCA fechado de Janeiro, mas temos nesse momento um viés de alta. Com maior probabilidade o IPCA deve se situar entre 5,4% e 5,6% em 2022", afirma.
O ex-vice-presidente do Banco Mundial Otaviano Canuto, aposta na preservação da autonomia. "Não há razão para não contar com a independência do BC, agora inclusive formalizada na lei", afirma. Contudo, ele reconhece o aumento dos riscos para os países emergentes em um cenário de desaceleração global e de aumento dos juros nos países desenvolvidos. "As altas taxas de inflação e o endividamento público durante a pandemia estão restringindo a adoção de políticas fiscais e monetárias expansivas nesses países. Não coincidentemente, as taxas de juros mais altas e a revisão em baixa dos apoios fiscais ocorreram na maioria dos casos", destaca Canuto, em artigo recente no site Policy Center for New South.
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Tiro no pé
Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, reconhece que a autonomia do BC será testada neste ano e destaca que o BC também tem um desafio maior com a falta de ajuda do governo na área fiscal. Para ela, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que o presidente Jair Bolsonaro (PL) vem sinalizado para zerar os impostos sobre os combustíveis e energia, apesar de pouco detalhada, pode piorar a questão fiscal — e, dessa forma, aumentar um clima de incerteza que vai impactar o dólar e a inflação, e, consequentemente, exigindo um aperto ainda maior nos juros.
"É o famoso tiro no pé. O preço dos combustíveis depende do mercado de petróleo, e o risco desse movimento de zerar PIS-Cofins sem qualquer tipo de compensação de receita ainda pode fazer com que o preço da gasolina na bomba termine 2022 acima do que terminou em 2021", alerta.
O governo vem sinalizando que o impacto da medida seria em torno de R$ 50 bilhões, mas, para Alessandra, as estimativas estão subestimadas. Cálculos da Tendências apontam perda de R$ 70 bilhões, apenas na redução dos impostos federais. "Essa medida vai aprofundar a deterioração fiscal e fazer o governo entregar um deficit maior do que o previsto no Orçamento (de R$ 79,3 bilhões). E, neste ano, a inflação não vai ajudar no aumento da arrecadação como em 2021, porque não há perspectiva de crescimento na economia", destaca a economista.
A economista Juliana Inhasz, professora do Insper, avalia que, como o governo não tem ajudado muito na questão fiscal, o Banco Central estará sozinho no compromisso de controlar a inflação em um cenário em que a economia não deve crescer e a eleição agrava as incertezas. "Está havendo uma deterioração no campo macroeconômico e deve-se ajustar a Selic para tentar cumprir a meta. E, com o juro cada vez mais elevado e a economia desacelerando, para a população em geral, o crédito ficará mais caro e as empresas terão um custo maior de captação de recursos, como capital de giro. Logo, para economia como um todo, é negativo, porque tende a haver queda nos investimentos. Contudo, essa política monetária mais contracionista é necessária, porque não há medidas políticas que apoiem o BC no cenário fiscal", explica.
Para Rachel de Sá, chefe da economia da corretora Rico Investimentos — controlada pela XP Investimentos - há sinais de que a autonomia do BC está funcionando. "Por enquanto, as perspectivas de longo prazo estão ancoradas e vamos ver o peso disso nos próximos anos. Mas os juros de longo prazo ainda estão estressados por conta da questão fiscal e de toda a situação externa, com os juros dos títulos norte-americanos subindo", afirma. Contudo ela reconhece que ainda há incertezas de que a premissa de que uma Selic de 11,5% será suficiente para conter a inflação dentro da meta.
Bolsa
Apesar disso, pelas estimativas da XP, o Índice Bovespa ainda tem chances de subir por conta do fluxo de recursos estrangeiros que está entrando no mercado para aproveitar o preço baixo das ações brasileiras. O quadro, no entanto, é de volatilidade. A expectativa da corretora é que a Bolsa brasileira termine o ano em 123 mil pontos.
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