Conforme destaquei anteontem no programa Canal Livre, da TV Band, União, estados e municípios ostentam, hoje, deficits financeiros anuais gigantescos e insustentáveis nas suas previdências, da ordem de R$ 200 bilhões. Esse, a meu ver, é o problema número um a ser atacado pelas autoridades responsáveis pela área fiscal. Só assim abrir-se-á espaço de relevante dimensão para serem destinados recursos suficientes à recuperação dos combalidos investimentos ou outros usos prioritários do dinheiro público. Tenho em mente que há uma tríade de desgovernança macroeconômica no País, que contém esse e mais dois itens cuja discussão aprofundarei em outras oportunidades.
Por enquanto, chamo a atenção para o caso do estado do Rio, que acaba de voltar aos holofotes por conta da revisão do seu enquadramento no chamado PRF — Programa de Recuperação Fiscal, e porque tende a ser o estado com a situação financeira mais complicada de todos. Às vésperas de assinar o primeiro PRF, que o dispensaria de pagar o serviço da sua dívida registrada junto ao principal credor, a União, o Rio terminou ostentando em 2016 um elevado deficit orçamentário total no balanço daquele ano (ou seja, sem cobertura das fontes do próprio ano) de R$ 10,1 bilhões, o que equivalia a 16,6% do gasto total. E, como o serviço da dívida era de 7,7% do total, seu refinanciamento integral, se tivesse ocorrido já em 2016, deixaria ainda uma elevada insuficiência de recursos a serem jogados, como de fato foram, em restos a pagar. De lá para cá, como o estado, por conta dos demais problemas, continuasse a acumular deficits orçamentários, é sinal de que se manteve inalterado o mesmo processo de acumulação de restos a pagar, e se foi criando um novo tipo de dívida a ser obviamente honrada com menor facilidade ou segurança.
Vale a pena informar, na sequência, os expressivos deficits orçamentários anuais que terminaram sendo acumulados no mandato 2015-18, ainda que, em 2018, isso tenha se dado em desacordo com o dispositivo legal que proíbe a passagem de restos a pagar acumulados em qualquer mandato para o seguinte (Lei de Responsabilidade Fiscal). Foram eles (em R$ bilhões.): 2015 — 4,3; 2016 — 10,1; 2017 — 5,5; 2018 — 6,3. Total: R$ 26,2 bilhões. Esse virou, portanto, um novo drama com que o estado passou a ter de lidar, independentemente do alívio propiciado pela rolagem da dívida antiga com a União.
Donos do orçamento
Voltando às contas normais do estado, cabe notar, ainda com base nos dados de 2016, que, mesmo suspendendo o pagamento do serviço da dívida naquele ano, de 7,7% do gasto total, restou ainda enfrentar, antes de mais nada, os gastos com os demais itens obrigatórios (ou que chamo de "donos do orçamento"), que somam não menos que 52,4% do total, correspondendo, basicamente, a educação, saúde, segurança, e poderes autônomos (Legislativo, Judiciário, MPE, TCE e DP). Após isso, sobram a despesa com aposentadorias e pensões (22,8% do total) e os gastos discricionários (pessoal ativo, outros custeios e investimento, este último com apenas 3,4% do todo). Assim, os gastos mais rígidos e mais difíceis de reformar ou alterar somam cerca de 60% do total, ficando o estado diante do seguinte dilema: equacionar o problema previdenciário ou comprimir ainda mais os itens que já chegaram ao limite mínimo inferior, ou seja, os gastos discricionários, especialmente os investimentos...
Agora, ocorre que a burocracia do Ministério da Economia acaba de recusar a proposta de ajuste oferecida pelo Rio para renovar o seu PRF, alegando que as medidas de cortes de gastos e aumento de arrecadação têm chances remotas de se sustentar, criando-se um certo impasse, pois, a rigor, sem a aprovação de uma nova proposta, o assunto morreria agora, cabendo ao estado pagar de volta todo o serviço da dívida que a União refinanciou até o momento. É fato que, como a maioria dos estados, o Rio obteve uma liminar do STF garantindo que devolução não precisará ocorrer enquanto a citada renegociação não chegar a bom termo. Em face disso, movimentam-se agora, freneticamente, as peças do xadrez político em busca de uma saída.
Exemplo
Questionado pela banca do Canal Livre sobre o melhor caminho para sair do impasse, lembrei aos colegas que, na União, o problema é exatamente o mesmo (exceto porque a União tem a vantagem de poder emitir moeda e se endividar com maior liberdade), e, ao contrário do que possa parecer, a Emenda nº 103/19, que acaba de ser aprovada, obriga a que todas as partes, sem exceção, promovam o equacionamento dos deficits das respectivas previdências. É lamentável, assim, que a União, que deveria dar o exemplo aos demais entes, não se empenhe o suficiente para promover o equacionamento dos seus próprios deficits.
Sobre as demais peças da tríade da desgovernança macroeconômica em nosso país, selecionei as seguintes: o forte viés pró-aumento de juros que vigora no país, a meu ver totalmente equivocado, sem falar no seu altíssimo custo para os contribuintes, e a busca frenética pela redução entre a razão entre a dívida pública e o PIB, que, se medida corretamente, é cerca de apenas 20% do valor divulgado nas estatísticas oficiais. Assunto para próximos artigos.
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