Um dos principais motores da economia de um país é o investimento, mas ele só ocorre de forma expressiva quando há confiança no governo e crescimento. Historicamente, o Brasil cresce pouco e tem investimento baixo. E, para que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça de forma robusta e sustentada em torno de 5% ao ano, a taxa de investimento precisa ser superior a 25% do PIB, segundo especialistas. Mas, conforme dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) iniciados em 1980, o Brasil nunca conseguiu ter uma taxa de investimento elevada.
Pelas projeções do organismo multilateral, que tem estimativas mais otimistas do que as do mercado para o crescimento da economia brasileira, o país não conseguirá ter uma taxa de investimento de 20% do PIB, pelo menos, até 2026. O FMI prevê alta de 1,5% no PIB brasileiro neste ano, acima da atual mediana das previsões dos analistas ouvidos pelo Banco Central (BC), que estima crescimento de 0,36%. Mas muitos analistas e grandes instituições financeiras não descartam um cenário de estagnação, ou até mesmo de recessão, em 2022.
Quando um país não cresce, é difícil para o investimento produtivo aumentar, especialmente em um ano cheio de incertezas por conta das eleições presidenciais e da deterioração dos fundamentos macroeconômicos, segundo especialistas.
A série histórica do FMI, iniciada em 1980, mostra que o patamar mais elevado da taxa de investimento do Brasil ocorreu em 1994, de 23,5% do PIB. Naquele ano, foi iniciado o Plano Real, que conseguiu domar o dragão da hiperinflação, e o país cresceu 5,3%. Pelas estimativas do Fundo, apesar da recuperação em relação aos pisos recentes, a taxa de investimento do Brasil deverá encerrar o ano em 17,2%, abaixo da média global, de 26,7% do PIB, e menos da metade da taxa chinesa, de 44,6% do PIB.
Já pelos dados do Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE), a taxa de investimento do país chegou a 19,4% do PIB, índice acima dos 16,3% registrados no mesmo período de 2020 — o que foi comemorado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e pela sua equipe. Contudo, o patamar desse indicador está quase 5% abaixo do pico do terceiro trimestre de 2010 na série histórica do IBGE, iniciada em 1996.
O consenso entre os especialistas é de que o atual cenário está mais desafiador, sem ajuda do setor externo como no passado. Segundo eles, neste ano, um dos motivos que devem travar os investimentos, é a deterioração do quadro fiscal, após aprovação da PEC dos Precatórios. E, com a inflação persistente e elevada no país e lá fora e sem uma ajuda do governo na área fiscal, o Banco Central precisará manter o ciclo de alta da taxa básica de juros (Selic), atualmente, em 9,25%, para dois dígitos ao longo do ano — o que é péssimo para os investimentos público e privado, porque encarece o custo do crédito.
Reformas
Analistas também reconhecem que ainda existem incertezas em torno das promessas do ministro da Economia, Paulo Guedes, feitas em evento do setor de construção de que existem cerca de R$ 700 bilhões de investimentos contratados para os próximos 10 anos. Eles consideram o volume baixo para garantir patamares mais sustentáveis de crescimento econômico e admitem que ainda não há garantias reais de que eles ocorram se o cenário macroeconômico não melhorar. E, quando questionada sobre a previsão da pasta sobre o tamanho da parcela dessa projeção de investimentos que deverá ocorrer em 2022, a Economia evita fazer uma estimativa. Especialistas lembram que as últimas previsões da pasta para o crescimento do PIB brasileiro neste ano, de 2,1%, são mais otimistas até do que as do BC, de 1%.
O economista Simão Davi Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP), reconhece que o investimento no país tem muitas dificuldades para aumentar neste ano e nos próximos. Ele recorda que o país não conseguiu crescer, em média, acima de 1% ao ano na última década e, pelos cálculos dele, "para ter uma expansão de 4%, seria necessária uma taxa de investimento de 25% do PIB". Logo, para melhorar esse quadro, ele afirma que será preciso destravar as reformas, algo que não está mais no radar. "Isso significa que temos uma possibilidade de crescimento e de ampliação da capacidade produtiva bastante modesta. A taxa de investimento atual é meio fajuta, porque não há desconto da depreciação. Se a descontarmos, o investimento líquido é zero".
Como o estoque de capital no Brasil é velho, acrescenta Silber, "não temos cálculo da depreciação, que pode chegar de 4% a 5% do PIB, em termos líquidos, mesmo se a taxa de investimento fosse 20%, ela seria, na verdade, de 15%. Portanto, é preciso 4% de investimento para gerar 1% de produto na margem. Logo, se o país investe 16%, não dá para crescer mais de 2% ao ano". Ele reforça que será "muito difícil" para o país conseguir chegar a ter uma taxa de 24% do PIB.
Na avaliação dos especialistas, o país continua preso na armadilha do baixo crescimento, e, por isso, não há grandes perspectivas de aumento dos investimentos em 2022, ano em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) mergulha de cabeça no populismo pela reeleição. O professor da USP destaca que essa deterioração das perspectivas econômicas também é resultado do estrago das ações recentes do governo Bolsonaro, que marcou retrocessos na agenda econômica e fiscal.
"Não tem reformas. Não tem privatização. O sistema tributário é muito ruim e não há uma boa reforma encaminhada. Há um excesso de gasto do governo, que é ineficiente e não adota medidas para revisar esses gastos. Não dá para comemorar os R$ 700 bilhões de investimentos contratados que o governo anuncia por conta das concessões em infraestrutura, porque não há uma certeza de que serão concretizados se o quadro macroeconômico continuar desfavorável", alerta Silber.
A economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), avalia que os investimentos em concessões anunciados pelo governo são positivos, mas não são suficientes em um cenário em que o mundo não deverá ajudar o país a crescer. "O cenário internacional não será favorável neste ano, ao contrário do que ocorreu no início dos anos 2000, quando houve o boom das commodities que favoreceu países emergentes, como o Brasil. E este início de década será muito mais desafiador, porque todos os países estão lidando com as consequências de uma pandemia, que também provocou uma inflação global", ressalta.
Incertezas
De acordo com Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, os investimentos anunciados por Guedes não devem ser garantia de crescimento do Brasil. "O país não será a fronteira de investimento que o ministro costuma prometer. É preciso uma mudança de mentalidade sobre a necessidade ainda de se ajustar o fiscal e, hoje, não há garantias de continuidade das reformas, que estão em suspenso. Os riscos me parecem muito grandes de que voltaremos a ter dificuldades a partir de 2023", afirma.
O especialista da MB prevê zero de crescimento da economia neste ano, mas não descarta o risco de o PIB ser negativo. Ele ressalta que há concessões que podem acontecer neste ano, o que é importante para a área de infraestrutura, uma continuidade desse processo. "Mas não significa forte empuxo de investimentos agora, porque o cenário de crescimento de longo prazo está abalado pelas incertezas políticas. Não está claro quem será o próximo presidente, mas cada vez fica mais claro que, talvez, o novo governo não será reformista. Essa é a grande dificuldade neste momento. Por isso, o investimento privado tende a acontecer num ritmo muito lento neste ano, até haver clareza do xadrez político para, eventualmente, o investimento desacelerar ainda mais", alerta.
Para o economista César Bergo, sócio diretor da Open Invest, não há como pensar em crescimento sustentado do país na atual conjuntura. "Sabemos que, apesar de uma melhora no cenário da pandemia, enfrentamos um quadro de incerteza, que afeta diretamente os investimentos. Temos uma situação fiscal frágil e um nível de desemprego elevado. O crescimento que observamos em 2021 é mais fruto do maior uso de fatores de produção ociosos do que de novos investimentos", afirma.
O economista e especialista em contas públicas Raul Velloso também alerta que a economia não vai crescer de forma robusta se não houver investimento pesado de infraestrutura. "Investir é construir. Tudo aquilo que não dá para importar de fora e for importante para o crescimento da economia, tem que ser construído dentro do país", afirma. Para ele, o setor público precisará agir quando o setor privado não tiver disposição para investir, mas existem limitações orçamentárias. "O investimento, em geral, não pode ser substituído pelo privado. Tem que se fazer com o dinheiro público. Só que, se o setor público não estiver com dinheiro suficiente, ele não consegue fazer", lamenta.
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