Crise

BC pesa a mão nos juros e aumenta incerteza sobre atividade econômica em 2022

Para analistas, diante da disparada do custo de vida em 2021, custo de trazer a inflação para a meta pode ser levar o país a uma nova recessão

Rosana Hessel
postado em 01/01/2022 06:00
 (crédito: Marcello Casal JrAgência Brasil)
(crédito: Marcello Casal JrAgência Brasil)

Após 27 anos do lançamento do Plano Real, quem pensava que o dragão inflacionário estava dominado se enganou completamente. Em 2021, a alta do custo de vida voltou para a casa dos dois dígitos, pela primeira vez desde fevereiro de 2016. E, de acordo com especialistas, não será fácil fazer o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial, voltar ao controle neste ano.

Sem ter conseguido, em 2021, cumprir a missão de entregar o IPCA dentro da meta determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), o Banco Central deverá falhar novamente em 2022, de acordo com analistas. As projeções do mercado para o IPCA do ano que passou e deste que está começando estão em 10,02% e 5,03%, respectivamente — acima dos tetos, de 5,25% e de 5%.

Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o IPCA registrou alta de 10,74% no acumulado em 12 meses até novembro. A prévia da inflação oficial, o IPCA 15, encerrou dezembro em 10,42%. Com isso, o Brasil tem a terceira maior inflação entre os países do G20 — grupo das 19 maiores economias desenvolvidas e emergentes do planeta mais a União Europeia. A Argentina lidera o ranking com a carestia acumulando alta de 51,2% em 12 meses. A Turquia, em segundo lugar, registra inflação de a 21,3%.

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PRI-0101-INFLACAO_3 (foto: Thiago Fagundes)

Vilões

Os maiores vilões da inflação brasileira no ano passado foram os combustíveis, que podem continuar pressionado os preços em 2022, pois o dólar continuará em torno de R$ 5,60, segundo previsões do mercado. Pelas projeções dos especialistas ouvidos pelo Correio, o IPCA continuará em dois dígitos até abril ou maio, devido à série de reajustes de preços que normalmente ocorrem no início de cada ano e à indexação elevada da economia.

Para Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, "o BC não conseguirá cumprir a meta sem elevar muito os juros e levar o país a uma nova recessão". Pelas estimativas do mercado apontadas no boletim Focus do Banco Central, em 2022, o Produto Interno Bruto (PIB) deverá crescer 0,48%, mas grandes bancos, como Credit Suisse e Itaú Unibanco, não descartam queda de 0,5%.

De acordo com Agostini, a inflação tende a ficar acima da meta porque é estruturalmente alta. E, como a economia é muito indexada, dificilmente as futuras metas, que são decrescentes, serão cumpridas. "A inflação estrutural é elevada e os preços indexados fazem com que, no mínimo, uma alta de 2% do IPCA esteja contratada; o restante é estrutural", avalia.

Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-diretor do BC e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), acredita que o IPCA, em 2022, deverá ficar entre 5,5% e 6%, mas não descarta um percentual maior. "O juro real tende a ficar acima de 6%, o que vai ser bastante desafiador para a economia crescer", alerta.

A economista-chefe do Credit Suisse no Brasil, Solange Srour, prevê queda de 0,5% no Produto Interno Bruto (PIB) e inflação de 6% neste ano. Ela faz um alerta para a inércia inflacionária devido, principalmente, à deterioração na área fiscal. "Mesmo com a desaceleração da economia, será difícil para a inflação retroceder em 2022", frisa. A economista não poupa críticas ao abandono da âncora fiscal após a mudança no cálculo do teto de gastos, que foi ampliado em mais de R$ 60 bilhões. Agora, diz, será um "desafio enorme" para o governo recuperar o discurso da consolidação fiscal em pleno ano de eleições.

Analistas avaliam que a inflação seguirá persistente devido a reajustes que devem ocorrer logo no início do ano, como tributos, tarifas de transporte público e mensalidades escolares, e à manutenção, até abril, da bandeira tarifária de escassez hídrica — que adiciona R$ 14,20 na conta de luz a cada 100 kWh consumidor. A energia, como os combustíveis, têm pesado no orçamento familiar, corroendo o poder de compra dos brasileiros.

Difusão

"Como as indústrias são os maiores consumidores de energia, a difusão é elevada e a inflação, persistente", alerta o economista André Braz, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

Segundo dados do IBGE, o preço da gasolina disparou 50,78% em 12 meses e o do etanol, 69,40%. A energia elétrica subiu 31,87% no mesmo período. Esses números mostram que a inflação de 2021 é mais reflexo da alta dos preços administrados do que do aumento da demanda, pois as projeções de crescimento do PIB em 2021, que chegaram a ficar acima de 5%, recuaram para 4,51%. E, para 2022, as previsões não são nada animadoras.

"Tem muito preço que será orientado pela inflação de 2021, como mensalidades escolares, salários, contratos de locação, que devem dificultar uma desaceleração da inflação para a meta", afirma Braz. Essa conta, inclui, ainda, aumento nas passagens de ônibus urbanos.

"O único alento é que o volume de chuvas recente pode fazer o preço da energia recuar a partir de maio, quando está prevista a mudança do patamar da bandeira tarifária. Mas, como a energia é custo para o setor de serviços, e com os juros em alta, o ambiente de incerteza não deverá atrair muito investimento", destaca o especialista da FGV. Para ele, a alta dos juros nos Estados Unidos também ajudará na saída de investimentos de mercados emergentes, como o Brasil.

 

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