O DESAFIO DE CRESCER SEM INFLAÇÃO

Risco de PIB negativo, inflação e juros altos dificultam retomada

Para especialistas, é preciso reavaliar gastos desnecessários

O ano de 2021 termina em um cenário nada animador quando se olha para o horizonte a partir de 2022. O país não consegue crescer e está preso a uma armadilha da qual não será fácil sair no ano que começa, especialmente, com a inflação acima de 10% e os juros voltando ao patamar de dois dígitos, o que poderá colocar o país em uma nova recessão em pleno ano eleitoral.

Após o tombo de 4% no Produto Interno Bruto (PIB), em 2020, por conta da pandemia da covid-19, a atividade econômica iniciou 2021 com um impulso inesperado de 1,3% no primeiro trimestre, apesar da segunda onda da covid-19 e dos atrasos na entrega das vacinas no país. As estimativas de crescimento no ano chegaram a ser revisadas para mais de 5%, em alguns casos. Contudo, os meses se passaram e a retomada esperada não ocorreu em meio à inflação persistente no Brasil e no mundo e às trapalhadas do governo Jair Bolsonaro (PL) na condução das políticas econômica e monetária, que ficou mais preocupado em se reeleger a qualquer custo.

O fato é que a realidade se impôs. Em meio à escalada da inflação e da deterioração das expectativas do mercado que viu que o governo não conseguiu cumprir as promessas de campanha, a atividade perdeu o fôlego e o PIB recuou 0,4%, no segundo trimestre, e mais 0,1%, no terceiro, colocando o país em um cenário de recessão técnica — quando há dois resultados negativos do PIB consecutivos. Projeções do mercado passaram a ser revisadas para baixo e, para 2022, indicam que, na melhor das hipóteses, o país poderá crescer entre 0,5% e 1%, mas o risco de novo PIB negativo não está descartado.

Editoria de Arte do Correio - A sina da armadilha

O consenso entre os analistas é de que a atividade econômica anda de lado, e eles reconhecem que o risco de o país ficar preso nessa armadilha do baixo crescimento sem prazo determinado é considerável. Aliás, o desafio para o país crescer a partir de 2022 será ainda maior, porque o cenário macroeconômico piorou, a inflação está persistente e elevada, acima de 10% e deverá continuar neste patamar, pelo menos, até abril ou maio de 2022. Para piorar, a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 9,25% ao ano, continuará subindo no ano que vem, podendo encerrar dezembro entre 11% e 11,75% anuais.

"Nenhum país é bem sucedido economicamente com inflação alta. O que faz a economia crescer é a conjugação de três elementos: mão de obra para incorporar o processo produtivo, investimento público e privado e produtividade, que é a capacidade de fazer mais com os mesmos recursos e a principal fonte de geração de riqueza", destaca Mailson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda de José Sarney e sócio da Tendências Consultoria.

O economista lembra que 80% do crescimento da economia se explica pela produtividade que, no país, ainda é muito baixa. "No Brasil, mais de 90% do sucesso na agropecuária tem a ver com a produtividade, que utiliza a tecnologia em larga escala no campo. Mas existem fatores que perderam força no país, como o bônus demográfico, que não foi aproveitado, e a taxa de investimento baixa, em média de 14% a 15% do PIB nos últimos anos", afirma. "Houve investimentos nas concessões de infraestrutura, mas eles serão realizados a longo prazo e ainda são insuficientes para mudar o atual cenário".

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Nova década perdida

Conforme dados do Credit Suisse, após a hecatombe global de 2020 provocada pela pandemia, a média de crescimento do Brasil é inferior à dos anos 1980, considerada a década perdida. O PIB brasileiro registrou expansão de 1,2%, entre os anos de 2010 e 2021, dado inferior ao 1,7% registrado entre 1980 e 1989. Pelas estimativas do banco suíço, que prevê queda de 0,5% no PIB de 2022, o país está entrando na terceira recessão dos últimos oito anos devido à inflação elevada e a perspectiva de queda no consumo e nos investimentos em um ano eleitoral cheio de incertezas que podem ajudar a travar o processo de retomada.

Para a economista-chefe do Credit Suisse no Brasil, Solange Srour, não será fácil ao país sair da armadilha de baixo crescimento, devido às sinalizações dadas pelo governo de abandono do compromisso de preservar as regras fiscais, após a aprovação da PEC dos Precatórios, que mudou a regra do teto de gastos e ainda criou espaço fiscal para o governo gastar mais que R$ 100 bilhões.

"Sair da crise atual significa debater não apenas como retomar às reformas, mas também adotar medidas para tornar a gestão pública mais eficiente e trazer condições para que o Brasil possa voltar a crescer no médio prazo. Neste aspecto, diminuir a insegurança jurídica, fortalecer as instituições e melhorar o ambiente regulatório é essencial. Não é trabalho para um governo, mas, sim, para vários", alerta.

Ela destaca que será preciso uma reforma tributária bem ampla e a reavaliação dos gastos desnecessários. "É preciso realizar uma reforma tributária ampla e unificar os benefícios sociais existentes com a realocação dos recursos já utilizados, controlar o crescimento da despesa primária, racionalizar os gastos com pessoal, por meio da reforma administrativa, e buscar melhorar os resultados de políticas de educação e saúde".

Retomada desigual

Entre os analistas, não há um consenso de que houve a famosa retomada em V que Paulo Guedes costuma afirmar, sinalizando uma retomada rápida da crise da pandemia. Eles lembram que o processo de recuperação econômica é desigual e muitos setores ainda não recuperaram o patamar do fim de 2019. Uns falam em crescimento em K e, outros, em uma raíz quadrada. Portanto, voltar ao patamar de 2014 ainda vai demandar muito tempo. "O país ainda não recuperou a tendência de crescimento pré-pandemia, que já era fraco, e o patamar de 2014 ainda está distante", lamenta a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).