Trilha aberta para outras categorias

Com a decisão de reestruturar as carreiras e aumentar os salários dos servidores da área de segurança, o presidente da República dá um péssimo sinal sobre a falta de controle das contas públicas, de acordo com analistas ouvidos pelo Correio.

"Essa é uma decisão claramente política. Bolsonaro busca atender a sua base de apoio mais próxima", destacou o especialista em contas públicas Murilo Viana.

Como contrapartida à liberação de recursos para reduzir os efeitos econômicos da pandemia da covid-19, os salários do funcionalismo federal e dos governos regionais foram congelados até dezembro deste ano. Policiais e militares, contudo, ficaram fora da restrição.

Segundo Viana, será muito difícil para o governo, agora, negar reajustes para outras categorias. "Mesmo com a aprovação da PEC dos Precatórios, que abre espaço de mais de R$ 100 bilhões no teto de gastos, o governo terá dificuldades para atender demandas de correção inflacionária da remuneração dos servidores. Basta ver a forte pressão do Congresso para viabilizar fartos recursos com as emendas do relator e mais verbas para o Fundo Eleitoral", disse o analista. Para ele, o governo já deu a sinalização clara de que pretende priorizar politicamente dois grupos de servidores: policiais e militares.

Prioridades

Do ponto de vista da qualidade do gasto público, esse reajuste para policiais "é bastante questionável", segundo o analista. "O governo deveria priorizar, por exemplo, zerar a fila de famílias cadastradas no CadÚnico que apresentam dificuldades de acessar benefícios sociais, como o Auxílio Brasil", defendeu. O Ministério da Economia não quis comentar o assunto.

Conforme dados do Painel de Estatísticas de Pessoal da pasta, apesar do congelamento salarial e da queda de quase 2% no número de servidores desde outubro de 2020, os gastos mensais com a folha não diminuíram na mesma proporção. "No caso da União, há uma queda associada às despesas com os servidores civis, mas, no caso dos militares, que tiveram reestruturação no sistema de proteção social e reforma na carreira, o gasto vem aumentando", destacou Viana.

A economista Juliana Damasceno, da Tendências Consultoria, não tem dúvidas de que as demais categorias vão pressionar por reajustes em 2022, porque "a inflação tende a ser mais prolongada no ano que vem". Na avaliação dela, o governo está dando um tratamento "diferenciado e seletivo" para os policiais e militares. "Isso mostra a falta de compromisso com a isonomia das rubricas dentro do Orçamento. Não é apenas o poder de compra dos policiais e dos militares que está sendo corroído pela inflação de dois dígitos, mas de toda a população e todos os servidores públicos", afirmou.

De acordo com Juliana Damasceno, o governo deveria rever a estrutura de gastos e cortar os mais custosos e ineficientes. "O governo está dando mais um sinal de que está caminhando na contramão da austeridade fiscal. A PEC dos Precatórios, por exemplo, só aumenta a despesa e não vai resolver o problema dos 22 milhões de famílias que ficaram desassistidas com o fim do auxílio emergencial", lamentou.