A falta de correção sobre a inflação na tabela de cobrança do Imposto de Renda Sobre Pessoa Física (IRPF) custará, pelo menos, R$ 149 bilhões a mais do que deveria custar aos trabalhadores em 2022, afirma a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional).
Segundo estimativas da entidade — com base em projeções do mercado financeiro divulgadas no Boletim Focus, do Banco Central, a defasagem nos valores, que deveriam ser corrigidos pela inflação anual desde 1996, mantém a cobrança do imposto sobre 15,1 milhões de brasileiros com menor renda, que deveriam estar isentos. Atualmente, a isenção é concedida àqueles que recebem até R$1.903,98. De acordo com o levantamento dos auditores, esse limite deveria ser de até R$4.469,02.
A Unafisco afirma que a atualização anual da tabela com base na inflação não é realizada desde o segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 2002. Lembra, ainda, que a elevação da faixa de isenção do IRPF para R$ 5.000 foi uma das promessas de campanha eleitoral do atual chefe do Executivo, Jair Bolsonaro.
População de baixa renda
Segundo a Unafisco, além da correção durante o governo tucano, outros dois reajustes foram realizados nas gestões do Partido dos Trabalhadores (PT), em 2005 e 2015, de forma inconstante. Ainda conforme a associação, o acúmulo de arrecadação durante todo o período soma mais de 130% em tributação indevida e atinge, como de costume, a população com menor faixa de renda.
O presidente da Unafisco, Mauro Silva, explica que isso ocorre porque reflete nos gastos diretos dessa parcela da população com itens básicos de consumo. “Enquanto para pessoas com uma melhor faixa de renda um valor extra pode ir para poupança e investimentos, para a baixa renda significa deixar de consumir, de comer e de se vestir”, pontua Silva.
Na avaliação do advogado tributarista Renato Aparecido Gomes, a defasagem da tabela prejudica todos os trabalhadores assalariados, mas sobretudo os de menor de renda que “sofrem uma dupla consequência”: por pagar o tributo quando deveriam estar isentos; e por enfrentarem os custos e a burocracia da Declaração de Imposto de Renda. “Em uma época em que a inflação está alta, a defasagem da tabela aumenta mais rapidamente e, como o poder de compra do trabalhador diminui, o peso do imposto sobre seu salário se torna muito mais significativo”, alerta o especialista.
Dados da Receita Federal apontam que, com base na atual tabela do IR, um total de 9,1 milhões de pessoas são isentas da cobrança do tributo sobre a renda. Se corrigido integralmente sobre a inflação acumulada, esse número, com base nos cálculos da Unafisco, teriam um crescimento de 134% e isentaria 24,2 milhões de contribuintes.
Déficit maior
Ainda segundo Gomes, em razão dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, não é possível fazer toda correção de uma única vez, pois geraria um déficit ainda maior nas contas do governo. “A mudança precisa estar aliada com alguma forma de compensar esta perda. (...) No final, o governo terá que calcular quanto pretende deixar de arrecadar de um lado e quando quer arrecadar de outro para fazer essa conta fechar”, explica o advogado.
Mauro Silva afirma que, ainda que não seja viável (devido ao limite do teto de gastos do governo) corrigir integralmente todos os anos de defasagem da tabela, é obrigação deste governo corrigir, pelo menos, a inflação dos últimos quatro anos. “É responsabilidade desse governo que se elegeu dizendo que não haveria aumento de imposto e vem promovendo aumento de impostos, anualmente, em cima da classe média”, defende o presidente da entidade de classe.
Segundo Silva, o país também não enfrentaria nenhuma crise com o recálculo integral respeitando a inflação, uma vez que geraria mais arrecadação por parte dos trabalhadores de menor renda. “Esses 149 bi na mão das famílias geraria uma arrecadação tremenda que voltaria em forma de consumo e, consequentemente, em impostos novamente”, explica.
Impasse no Senado
Defendido pelo governo federal, o Projeto de Lei nº 2.337/2021, que trata da Reforma do Imposto de Renda, encontra-se parado no Senado Federal desde a sua aprovação, em setembro, pelo plenário da Câmara dos Deputados. Apesar de elevar a faixa de renda de isenção do IR para R$ 2.500, o valor proposto pelo Executivo ainda não corrige a inflação acumulada no período, de acordo com o apontado pela Unafisco.
Vale destacar que, somente nos últimos 12 meses, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulou alta de 10,74%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além disso, o relator da proposta, senador Angelo Coronel (PSD-BA), afirmou no início deste mês, que o texto deverá ser engavetado, devido à sua falta de “conteúdo”.
“(O projeto) não será somente arquivado. Tem que ser extinto para nascer um novo projeto, com mais base, conteúdo, bem debatido e que agrade pelo menos a grande maioria dos brasileiros”, disse Coronel, durante evento da Associação Comercial de São Paulo. Pouco tempo antes dessa afirmação, o senador já havia dito que a reforma é “uma das peças mais horríveis já tramitadas no Congresso Nacional”.
Reajustes salariais
Entre as propostas do PL aprovado pela Câmara e que possivelmente serão arquivadas pelos senadores, estão reajustes que variam de 13,2% a 31,3%, de acordo com a faixa salarial dos trabalhadores, e a tributação sobre parte dos lucros distribuídos (dividendos) a donos ou acionistas de empresas.
Ainda que concorde com as críticas à falta de correção da tabela do IR, o relator do projeto, Angelo Coronel, afirma que os valores apontados pela Unafisco são elevados. Ele defende um meio termo para o reajuste, que deve elevar a isenção em 68%, para R$ 3.200. Se aprovado desta forma, o número de isentos passaria para 18,6 milhões de trabalhadores. As outras faixas salariais, segundo o relator, deverão ser corrigidas em cerca de 13%.
O presidente da Unafisco, Mauro Silva, afirma que a não tributação de dividendos significa uma perda de R$ 70 bilhões em arrecadação e mantém um sistema de longa data que tira dos mais pobres e beneficia os mais abastados. “Seria um avanço, pois eliminaria a cobrança da alíquota de 7,5%, mas as outras faixas de renda seriam cobradas apenas em 13%. Além disso, é uma injustiça tremenda deixar de tributar os dividendos que significariam mais de 70 bilhões de reais em arrecadação", critica o presidente da Unafisco.
"É um Robin Hood às avessas: tiramos dos mais pobres para dar aos mais ricos, que deixam de pagar impostos enquanto os mais pobres são cobrados de maneira bem rigorosa”, alerta o representante dos Auditores Fiscais Federais da Receita Federal.